Minha posição frente a PEC 37
A mídia vem, por força da influência dos inúmeros assessores de imprensa envolvidos, bombardeando o público com informações e posições a respeito da Proposta de Emenda Constitucional nº 37, que visa tornar como de competência exclusiva da Polícia Federal “a apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo (…)”.
Em suma, para não ficarmos aqui tratando da questão com o juridiquês, os respectivos parágrafos tratam de infrações penais de caráter federal, ou seja, o Ministério Público Federal deixaria de ter o seu papel de investigador e passaria a assumir, unicamente, sua função de parte acusatória no processo penal.
De igual modo, a Receita Federal do Brasil, bem como o Banco Central, deixariam de lado as suas atuações investigativas, e exerceriam tão somente as funções para as quais foram criados.
Minha posição, adianto, é favorável à referida PEC, e explicarei o porque contando uma história que se passou no ano de 2011.
Uma empresa do ramo de comércio exterior, por ter inovado e dado uma feição profissional a um ramo tratado de forma amadora pelos demais, alcançou, de forma rápida, o posto de principal empresa do Brasil no seu ramo específico de atuação.
Todavia, um crime, que em nada se relaciona ao comércio exterior, ocorreu em um Estado estranho àquele no qual atuava a referida empresa, e por ter entre seus envolvidos um estrangeiro, e possuir indícios, além de tudo, de crime de lavagem de dinheiro, passou a investigação para a competência da Polícia Federal local.
Esta Polícia Federal, ao se deparar com a questão, e tomando conhecimento que a suposta quadrilha havia atuado no comércio exterior, solicitou alguns esclarecimentos à Receita Federal do Brasil para elucidar melhor o funcionamento daquilo, bem como indicar se existiam indícios de crime nos fatos observados.
A Receita Federal, como lhe sempre foi permitido, passou a realizar uma devassa não somente na empresa da quadrilha, mas em todas as demais que atuavam no mesmo ramo, dentre elas a empresa citada no começo desta história.
Com base em um entendimento estapafúrdio e que beira o absurdo, acusou a todos, não só aos inicialmente investigados, de contrabando.
Ora, o crime de contrabando é um crime grave, que consiste em fazer entrar no país um bem que tem a sua importação proibida.
O detalhe, aqui, que merece destaque, é que a proibição que a Receita Federal encontrou não estava na legislação brasileira, e sim na legislação estrangeira, o que faz parte do que conceituei acima como ridículo.
Pois bem. Vale, aqui, fazer uma breve pausa, e explicar parte da inteligência da Receita Federal do Brasil que é, diga-se, talvez o mais competente e preparado órgão tributário do mundo.
A Receita Federal do Brasil divide o país em regiões fiscais, e cada uma dessas regiões recebe uma Superintendência que toma conta daquele território. Dentro de cada uma dessas Superintendências existe um escritório denominado ESPEI – Escritório de Pesquisa e Investigação, que nada mais é senão o órgão da inteligência da Receita Federal do Brasil.
E foi a partir do referido órgão que foi criada a tese ABSURDA de contrabando, que envolveu inclusive aquela empresa citada no começo. Esse envolvimento teve as suas consequências, inclusive com a realização de uma daquelas megaoperações da Polícia Federal, que nada mais fez senão seguir a orientação repassada pela Receita Federal.
Fato contínuo, a mesma Receita Federal que investigou o suposto contrabando (que futuramente foi comprovado como inexistente), aplicou inúmeros autos de infração contra a referida empresa, tudo com base na mesma tese de importação de mercadoria proibida.
A primeira falta de coerência que salta aos olhos, na narrativa acima, é a seguinte: como pode o órgão fiscalizador realizar a acusação? O órgão responsável pela fiscalização tributária/aduaneira deveria somente esclarecer, de forma breve e pontual, as dúvidas da Polícia Federal, todavia, por existir a possibilidade dela, Receita Federal, atuar na fiscalização penal, acabou por aprofundar suas pesquisas e “ver cabelo em casca de ovo”.
De igual modo, o Ministério Público possui o seu papel, elogiável, diga-se, na atuação delimitada pelo artigo 129 da Constituição Federal, que de forma clara aponta que o MP tem as funções institucionais de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”, “exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior” e “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais” (dentre outros).
Ou seja, como poderia o Ministério Público atuar com imparcialidade na promoção da ação penal, quando ele mesmo realizou toda a investigação e, a seu ver, se deparou com evidências da ocorrência de um crime?
De igual modo, a Receita Federal, vinculada ao Ministério da Fazenda, tem delimitada a sua atuação no comércio exterior nos termos do artigo 237 da Constituição, que afirma: “A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda”.
Não é da competência, nem da função institucional, seja do Ministério Público, ou da Receita Federal, a investigação policial. Esta tem que ser exclusiva da Polícia Federal, que é um órgão que foi criada para tal função.
À Receita Federal cumpre realizar a defesa e buscar os interesses fazendários, ao Ministério Público cumpre, dentre outras funções, promover a ação penal, e ao Banco Central do Brasil cumpre atuar promovendo o interesse monetário, o controle regulatório do mercado financeiro brasileiro, dentre outros. A nenhum deles, todavia, compete a investigação criminal.
O grande problema da falta de imparcialidade é que o ser imparcial observa o objeto com um juízo de valor a tempos formado. Vale dizer que esse juízo de valor é de uma rigidez tão absurda, que talvez nenhum novo fato possa modifica-lo.
Digo isto porque o Auditor Fiscal, sempre que se deparar com algo que fuja à normalidade, vai observar a situação querendo apontar a existência de sonegação, de descaminho, de contrabando.
Já o Policial Federal, tem por dever observar a imparcialidade, sob pena de macular a investigação policial e torna-la nula. Como obrigar o fiscal a ser imparcial? Não vejo ser possível.
Na seara aduaneira, a grande questão que se observa, por exemplo, é o julgamento do processo administrativo para aplicação de pena de perdimento, que se dá em instância única, e por um auditor superior ao que lavrou o auto de infração. Quem acredita numa virada num processo com tal trâmite?
E a derrota no processo de perdimento acarreta, de forma automática, no envio de uma representação fiscal para fins penais ao Ministério Público Federal, que já receberá a informação com a faca nos dentes, pretenso a ajuizar a ação e botar o contribuinte, que nesse momento já é tratado como criminoso, atrás das grades.
A representação deveria ser encaminhada à Polícia, para uma investigação pormenorizada dos acontecimentos, porém para tanto precisamos de uma reforma de maior calibre.
Quanto à empresa acima citada, ela vem se reerguendo, mas passados dois anos do ocorrido, ela não está correndo com a mesma velocidade de antes, infelizmente, por conta das sequelas deixadas por um dos ESPEI da Receita Federal espalhados pelo Brasil.
No mais, sou a favor da PEC 37.
Luciano Bushatsky Andrade de Alencar
Advogado atuante no Direito Tributário e no Direito Aduaneiro.
Prezado Dr. Luciano, Texto fantástico. Corrobora 100% seu entendimento. Conheço diversas empresas que foram esmigalhadas pela arbitrariedade e presunção de culpa/ por parte da Receita Federal do Brasil com base no seu entendimento tosco e sem embasamento.
Parabéns.
Atenciosamente,
Luiz Felipe M. M. R. Garcia
Prezado Luiz,
Fico feliz por ter gostado do texto.
Obrigado!
Abraços.,