Em 2005, com a edição da Lei Complementar n.° 118 de 09 de fevereiro daquele ano, entrou em vigor uma importante alteração na legislação federal no âmbito dos processos judiciais de execução fiscal. A referida Lei Complementar introduziu o Art. 185-A ao Código Tributário Nacional, que conferiu aos Juízes que conduzem o processo executivo fiscal a possibilidade, dadas certas condições, de decretarem a indisponibilidade de todos os bens do contribuinte/devedor até o limite da dívida objeto da cobrança.
Essa disposição legal, embora bastante inovadora, só ganhou efetividade com a celebração de um convênio entre o Banco Central do Brasil e o Poder Judiciário, do qual resultou o temido sistema BACENJUD. Este sistema possibilitou que com um simples clique os Juízes expedissem ordens automáticas de bloqueio dos ativos financeiros dos executados.
Para aqueles que debochavam da morosidade da justiça para a cobrança de dívidas e faziam pouco caso das intimações expedidas pelo Poder Judiciário ordenando o pagamento espontâneo de suas obrigações sob pena de penhora, os dias de sossego acabaram.
Centenas de milhares de contribuintes que simplesmente não pagavam suas obrigações com o fisco por estarem confiantes na lentidão dos processos judiciais, amontoados nas prateleiras das varas de executivos fiscais espalhadas de canto a canto do país, tiveram uma surpresa inóspita. Dormiram abastados e amanheceram com as contas bloqueadas.
Foi o caos.
Recordo-me claramente de passar horas a fio debruçado nos balcões das varas federais de execuções fiscais, obtendo cópias dos autos de processos de uma infinidade de clientes que, desesperados, haviam deixado de pagar suas contas de energia, planos de saúde, fornecedores e empregados, porque haviam sofrido o que na época era uma novidade assustadora: um bloqueio “on-line”!
Inúmeros foram os recursos interpostos contra esta “nefasta” ferramenta. De início os Tribunais manifestaram apreensão com o uso desmedido da medida. Pacificou-se o entendimento que a chamada “penhora on-line” deveria ser utilizada com parcimônia, uma vez que representada medida extrema, potencialmente causadora de enorme estrago ao patrimônio do executado, pois este se veria impossibilitado de honrar com suas demais obrigações financeiras.
Passados alguns anos, o choque se atenuou e a medida passou de extrema, para usual e eficaz. Não havia mais necessidade de se esgotarem os demais meios de cobrança para só a utilizarem em último caso. Não. A “penhora on-line” passou a ser prioridade, ferramenta máster de efetividade do processo executivo.
Até aí tudo bem. É o que está previsto em lei, especialmente após a edição da Lei n.° 11.382 de 6 de dezembro de 2006, que elevou a penhora “on-line” ao seu grau máximo de importância, ao acrescentar o Art. 655-A ao Código de Processo Civil. Além disso, a medida é, de fato, uma bela ferramenta de execução das ordens judiciais.
Enfim, a sua utilização “pegou”, e vem sendo até certo ponto benéfica ao judiciário e à sociedade como um todo, pois imprime maior rapidez aos processos de execução, o que é inegavelmente um avanço.
No entanto, como no Brasil tudo que é ruim pode ficar ainda pior, vem circulando pelo Poder Judiciário uma prática nova, em especial entre os Juízes Federais que presidem as varas de execução fiscal para cobrança de dívidas da União Federal.
É a utilização da “penhora on-line” antes da citação do executado para responder ao processo.
Parece mentira, mas não é.
Recentemente, tive a oportunidade, angustiante há de se confessar, de defender dois clientes que foram vitimados com essa nova modalidade de ataque judicial ao patrimônio do já sofrido contribuinte brasileiro.
Antes mesmo de serem citados, meus clientes tiveram a ingrata experiência de amanhecerem com suas contas bloqueadas, sem ter a menor ideia de onde teria vindo tal ordem.
Foi necessário um trabalho investigativo acurado para descobrir o que havia acontecido. Qual não foi nossa surpresa ao identificarmos que o Juízo prolator da decisão, havia criado esse procedimento por uma razão, que para ele era muito simples: se o executado fosse citado antes de se determinar a realização do bloqueio de seus ativos financeiros, ele poderia esvaziar suas contas bancárias e frustrar a penhora on-line!
Conclusão: para resolver o problema, penhora-se primeiro e depois cita-se o executado. Simples e eficaz.
Seria um sonho, se não fosse ilegal, imoral e abusivo.
Por sorte, vivemos num país em que se cumprem as leis (pelo menos de vez em quando), e onde aventuras dessa natureza ainda não ganharam eco dentro do Judiciário.
Em ambos os casos que tive a oportunidade de conduzir, o Tribunal Regional Federal da 5a Região, atendendo a recursos por nós interpostos, determinou o imediato desbloqueio das contas e ativos financeiros dos meus clientes, que puderam, após serem regularmente citados exercer o seu direito à ampla defesa e ao contraditório, constitucionalmente garantidos.
Só resta torcer para que essa moda não pegue!
Por Francisco Loureiro Severien
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