Limite do Radar estourado findou em interposição fraudulenta de terceiros

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve sentença proferida na 1ª instância da Justiça Federal de Santa Catarina, ratificando sanção de perdimento imposta pela Receita Federal do Brasil por ocasião da prática de interposição fraudulenta de terceiros por empresa sediada em Santa Catarina, que figurou como importadora, e de empresa sediada no Paraná, oculta na operação.

Em suma, ocorreu algo muito comum: uma trading ofereceu vantagens à outra empresa localizada em território nacional, sem que observasse a legislação específica sobre o caso.

O fato da trading oferecer serviços logísticos não é vedado pela legislação aduaneira. O que ela não pode é deixar de observar as regras ordinárias aplicáveis às operações de terceirização no comércio exterior.

Importante observar o motivo que desencandeou a retenção da mercadoria: a falta de capacidade econômico financeira.

Tal capacidade é aferida pelos documentos que a empresa importadora apresenta à Receita Federal para a realização de suas operações, especialmente quando da sua habilitação/revisão no RADAR.

Ainda que hoje os nomes tenham sido alterados, permanece na mira da Receita Federal do Brasil a capacidade econômico financeira dos importadores, especialmente.

Apesar de ser um momento de curial importância que, como demonstrado, gera inúmeras consequências futuras, poucos se preocupam com tal fato, esquecendo que o Siscomex é o ‘Big Brother’ do comércio exterior.

Enfim, nunca foi tão importante uma atividade de compliance aduaneiro nas empresas quanto nos dias atuais.

Interposição fraudulenta causa perdimento de mercadoria

Por Jomar Martins | Conjur

A Secretaria da Receita Federal pode determinar o perdimento de mercadoria se ficar comprovado que o verdadeiro importador usou o nome de terceiro para ficar oculto na operação. Esta é a penalidade para quem comete a chamada interposição fraudulenta, crime tipificado no artigo 23, parágrafo 2º, do Decreto-Lei 1.455/1976. Com este entendimento, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve, integralmente, sentença que decidiu pelo perdimento de 289,5 toneladas de farinha trigo, provenientes da Argentina, importadas irregularmente pelo porto seco de Foz de Iguaçu (PR).

O real comprador da carga negou irregularidades ao importar de terceiro o cereal já nacionalizado, mas o fisco conseguiu comprovar a fraude, que tinha como objetivo final diminuir a incidência de ICMS. O auto de infração e o termo de apreensão fiscal originaram-se da operação moinho de vento, da Receita Federal. A carga apreendida será doada a entidades sociais beneficentes e para o programa Fome Zero, do Governo Federal. O acórdão foi lavrado no dia 4 de dezembro.

Mandado de Segurança
A empresa compradora ajuizou Mandado de Segurança contra ato do delegado da Receita Federal em Foz do Iguaçu, que determinou a retenção de uma carga contendo 289,5 toneladas de farinha de sua propriedade, adquirida de uma empresa sediada em Itajaí (SC).

Conforme o ato administrativo, a empresa catarinense estaria servindo como interposta na importação do trigo pela autora, que tem sede em Foz do Iguaçu. A interposição fraudulenta de terceiros, em operações de comércio exterior, é crime previsto artigo 23, inciso V, parágrafo 1º, do Decreto-Lei 1.455/1976. Ou seja, não houve comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos empregados na operação.

A autora alega que o Brasil ainda não é autossuficiente na produção de trigo, o que a obriga à importação, para suprir suas necessidades. No caso concreto, entretanto, não faz a importação direta, mas adquire o cereal já nacionalizado pela empresa de SC. Sustenta, por fim, que eventuais irregularidades com a importadora de Itajaí e com o trigo adquirido não lhes dizem respeito, já que não tem a obrigação de fiscalizar a correta ação empresarial de terceiros.

Atividade suspeita
Em juízo, a Receita Federal informou que a importadora catarinense tem habilitação ordinária para importar US$ 400 mil por semestre, mas que nos últimos seis anteriores à retenção (em 13 de julho de 2012) importou US$ 16,3 milhões. Para o Fisco, a empresa não teria capacidade técnica, nem econômica, de importar este montante. Então, estaria emprestando seu nome para outras empresas efetuarem importação.

O relatório da Receita anexado ao processo explica que a simulação teria a finalidade de reduzir, de forma fraudulenta, o valor pago a título de ICMS. Conforme o documento, como a empresa usada para a importação se localiza em Santa Catarina, na ‘‘venda’’ ao mercado interno, incidiria o ICMS deste estado, cuja alíquota é de 4%. Assim, não pagaria o ICMS ao verdadeiro estado de destino do cereal, o Paraná, que tem a alíquota de 12%. Além disso, se aproveitaria da lei tributária mais benéfica de Santa Catarina.

Ainda segundo o documento, a intenção de pagar menos tributo fica clara a quem acessa o site da empresa. O relatório aponta que ela vende seu serviço de cessão de nome de forma quase explícita, inclusive apresentando as vantagens da operação. E principalmente em relação às questões fiscais, ‘‘que reduzem de forma matemática-financeira o imposto mais importante e significativo das importações, ou seja, o ICMS’’.

Por fim, o Fisco alegou que a empresa de SC era quem estava por trás das operações de importação da companhia paranaense. Afinal, era esta quem escolhia o moinho, o despachante aduaneiro e o transporte de sua preferência — tarefas típicas do importador.

A sentença
A juíza Luciana da Veiga Oliveira, da 1ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, escreveu na sentença que as provas levam à conclusão de que a empresa de SC não não participa das operações de comércio exterior, pois assume posição totalmente passiva, aguardando autorizações para cumprir sua função formal: a emissão dos documentos fiscais para dar a aparência de uma operação lícita. Assim, configurada a interposição fraudulenta, a magistrada indeferiu o Mandado de Segurança, entendendo como legítima a aplicação da pena de perdimento da mercadoria. 

Clique aqui para ler o acórdão e aqui para ler a sentença.

Em Busca da Imparcialidade do Judiciário – Posição Arrojada do CNJ

Hoje pela manhã, ainda antes de levantar, li uma notícia que me encheu de esperança*. O CNJ – Conselho Nacional de Justiça proferiu decisão liminar determinando o afastamento de uma Procuradora da Fazenda Nacional do exercício da função de assessora no Gabinete de um Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O objetivo, óbvio, é manter a imparcialidade nos julgamentos. 

O nome do corajoso Conselheiro do CNJ que deferiu a liminar é José Lúcio Munhoz. Antes que os oportunistas venham alegar que o Conselheiro tomou tal atitude por que é advogado privado, que milita contra a Fazenda Pública em Juízo e por isso teria uma visão parcial da questão, aviso aos navegantes: ele é Juiz! Lotado na 3ª Vara do Trabalho de Blumenau.  

A decisão é interessante e vem a lume num momento relevante da história judicial brasileira. Imaginem que estive num seminário recentemente em São Paulo onde se discutiam questões relevantes do Direito Tributário. Após algumas horas de discussão foi ventilada de passagem por um dos palestrantes uma sombria tese sustentada por alguns integrantes da advocacia pública. Dizia ele que circula no meio jurídico-fazendário a idéia de que a Fazenda Pública é hipossuficiente em relação aos contribuintes quando se travam grandes disputas tributárias nos tribunais país à fora. Os Procuradores da Fazenda não teriam como brigar em igualdade de condições contra os grandes escritórios contratados pelos contribuintes. Pasmem!

Pois bem. A Fazenda Nacional (hipossuficiente e coitada) tem a prática de ceder Procuradores da Fazenda Nacional para atuarem com assessores de Juízes e Desembargadores Federais. Prática altruísta e seguramente desinteressada, visa unicamente dar maior celeridade aos julgamentos nas cortes Federais, o que é de interesse de todos os brasileiros. A Fazenda Nacional jura de pés juntos que a atuação dos procuradores cedidos é imparcial. Balela!

O caso que dá suporte à decisão do CNJ veio à tona por ocasião do julgamento de uma causa bilionária envolvendo a mineradora Vale. A Procuradora afastada atuava no Gabinete do Juiz Federal convocado Theophilo Antonio Miguel Filho, justamente o Relator da causa envolvendo a Vale. Pior. A notícia dá conta de que a Procuradora afastada, inclusive, atuou na execução fiscal movida contra a Vale e que desaguou no Gabinete em que ela atua como assessora. 

Será que ela ao minutar a sugestão de voto do Desembargador Relator manteria a imparcialidade? Para que a pergunta não fique viciada, inverta-se a posição. Será que um advogado da Vale, pago pela empresa (pois o salário da Procuradora é pago pela União), na mesma situação manteria a sua imparcialidade..? A resposta é óbvia. 

A medida é sadia e vem num momento em que o desequilíbrio entre contribuinte e Fazenda é gritante. A Receita Federal dispõe de mecanismos ultra sofisticados de investigação e arrecadação, e a Procuradoria da Fazenda Nacional, ao contrário do que querem fazer crer seus integrantes, goza de enorme prestígio no Judiciário onde exercitam a defesa robusta dos interesses da Fazenda. Adicionar a essa estrutura ainda Procuradores atuando como assessores de Juízes e Desembargadores só faria com que o desequilíbrio se acentuasse tornando o contribuinte (esse sim hipossuficiente) uma marionete nas mãos da Fazenda Pública.

Parabéns ao Dr. José Lúcio Munhoz pela equilibrada decisão! Tomara que seja a primeira de muitas outras decisões neste mesmo sentido.

 

Francisco Severien

 

*http://www.conjur.com.br/2013-jun-27/liminar-cnj-proibe-atuacao-procuradora-fazenda-assessora-juiz