TRF 3 não se define sobre constitucionalidade de quebra de sigilo bancário pela RFB

Turmas do TRF-3 divergem sobre quebra de sigilo

Por Tadeu Rover – CONJUR

A possibilidade de quebra de sigilo bancário por requisição administrativa, sem autorização judicial, gerou divergência de entendimento entre a 3ª e a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Em decisões recentes, as turmas decidiram em sentido oposto. Uma autorizando a quebra e a outra afirmando que o procedimento é inconstitucional. Ambas se basearam em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que já reconheceu Repercussão Geral do assunto, mas ainda não julgou a ação.

A quebra de sigilo por requisição administrativa está amparada pela Lei Complementar 105/2001, que permite a quebra para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial. No STF, há pelo menos seis ações diretas de inconstitucionalidade contra a lei complementar. Além disso, o STF reconheceu em 2009 a Repercussão Geral do tema no Recurso Especial 601.314 — que versa sobre o assunto — ainda não julgado.

Enquanto aguardam uma definição do Supremo, as Turmas do TRF-3 utilizam outras decisões proferidas pelo próprio STF em ações sobre o tema. E, assim como o Supremo, divergem sobre a legalidade da quebra.

Com base no Recurso Especial 389.808, julgado em maio de 2011 pelo STF, sob relatoria do ministro Marco Aurélio, a 3ª Turma do TRF-3 entendeu que a quebra de sigilo bancário por requisição administrativa, sem intevernção judicial, é inconstitucional. Na ocasião, o Supremo definiu que “conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção — a quebra do sigilo — submetida ao crivo de órgão equidistante — o Judiciário — e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal”.

“De fato, a normatização lesiva ao sigilo bancário dos contribuintes (artigo 5º, XII, CF) é inconstitucional, conforme já declarado pelo Supremo Tribunal Federal, nada havendo mais que discutir no âmbito desta Corte”, complementou a relatora do caso na 3ª Turma, desembargador Carlos Muta.

Presunção de legalidade
Em sentido oposto, a 4ª Turma do TRF-3 considerou que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade na quebra de sigilo bancário e de movimentação financeira sem autorização judicial.  “A prerrogativa conferida ao fisco pela Lei Complementar 105/2001 não lhe permite, a seu talante, devassar a vida de quem quer que seja por conta de perseguições, antipatias ou quejandos. A quebra do sigilo bancário, como restrição do direito à privacidade do cidadão, somente há de ser permitida ante a necessidade do procedimento, a bem de interesses igualmente insculpidos na nossa Constituição e seguindo o devido processo legal”, explica a desembargadora Marli Ferreira.

Em seu voto, a desembargadora cita o mesmo Recurso Especial 389.808 — utilizado pela 3ª Turma do TRF-3 para confirmar a inconstitucionalidade — e afirma que nesta ação a questão não foi extinga. “A decisão proferida pelo STF no RE 389.808, afastando a possibilidade de o fisco proceder à quebra do sigilo bancário sem autorização judicial, não dirimiu definitivamente a questão, em razão de outras decisões contrárias a essa”, explica.

Marli Ferreira cita o Inquérito 2.593, julgado pelo STF em fevereiro de 2011, sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, no qual afirma que a autoridade fiscal, em sede de procedimento administrativo, pode utilizar-se da faculdade insculpida no artigo 6º da LC 105/2001.

O artigo mencionado permite que autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios somente examinem documentos quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Para a desembargadora, o juiz ao se deparar com um caso de quebra de sigilo bancário sem autorização judicial deve verificar, caso a caso, se o sigilo bancário há ser compatibilizado com outros princípios norteadores da Constituição, ou se, no caso em concreto, tal quebra afrontaria diretamente direito insculpido nessa mesma Constituição.

Segundo Marli Ferreira, até que o Pleno do Supremo julgue a constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001, ela possui presunção de constitucionalidade, “não havendo qualquer mácula na solicitação, pelo fisco, de informações bancárias”.

Clique aqui para ler a decisão da 3ª Turma do TRF-3.
Clique aqui para ler a decisão da 4ª Turma do TRF-3.

Para o STF, cálculo ´por dentro´ do ICMS é constitucional

STF julga constitucional inclusão do ICMS na sua própria base de cálculo

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (SFT) ratificou, nesta quarta-feira (18), por maioria de votos, jurisprudência firmada em 1999, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 212209, no sentido de que é constitucional a inclusão do valor do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) na sua própria base de cálculo.

A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 582461, interposto pela empresa Jaguary Engenharia, Mineração e Comércio Ltda. contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que entendeu que a inclusão do valor do ICMS na própria base de cálculo do tributo – também denominado “cálculo por dentro” – não configura dupla tributação nem afronta o princípio constitucional da não cumulatividade.

No caso específico, a empresa contestava a aplicação, pelo governo de São Paulo, do disposto no artigo 33 da Lei paulista nº 6.374/89, segundo o qual o montante do ICMS integra sua própria base de cálculo.

Súmula

Em 23 de setembro de 2009, o Plenário do STF reconheceu repercussão geral à matéria suscitada no RE. Após a decisão do RE, o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, propôs que fosse editada uma súmula vinculante para orientar as demais cortes nas futuras decisões de matéria análoga. Assim, uma comissão da Corte vai elaborar o texto da súmula para ser posteriormente submetido ao Plenário.

O caso

A decisão da Justiça paulista afastou a alegação da empresa de que o artigo 13, parágrafo 1º, da Lei Complementar (LC) nº 87/96 (que prevê a inclusão do valor do ICMS na sua própria base de cálculo) bem como o artigo 33 da lei paulista nº 6.374/89, no mesmo sentido, conflitariam com a Constituição Federal (CF) no que diz caber a lei complementar definir os fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos.

Considerou legítima, ainda, a aplicação da taxa Selic e da multa de 20% sobre o valor do imposto corrigido, decisões essas também ratificadas pela Suprema Corte.

A empresa alegou, no recurso, que a inclusão do montante do imposto na própria base de cálculo configura bis in idem (duplicidade) vedado pela Constituição Federal. Também segundo ela seria inconstitucional o emprego da taxa Selic para fins tributários e a multa moratória fixada em 20% sobre o valor do débito teria natureza confiscatória e afrontaria o princípio da capacidade contributiva.

Decisão

Depois de procuradores do Estado de São Paulo e da Fazenda Nacional, que integram o recurso na qualidade deamicus curiae (amigo da corte), defenderem a legalidade da cobrança nos termos decididos pelo TJ-SP, o relator, ministro Gilmar Mendes, pronunciou-se no mesmo sentido.

Além da inclusão do tributo na base de cálculo, prevista na LC 87/96, eles sustentaram que a aplicação da Selic não constitui tributo nem correção monetária, sendo uma mera taxa de juros, cujo montante não  excede a 1%. Quanto à multa de 20%, consideraram que essa não viola o princípio da razoabilidade tampouco é confiscatória. No dizer do ministro Gilmar Mendes, ela tem o objetivo de desestimular o não cumprimento de obrigação tributária, portanto é justa.

No caso, conforme esclareceu o ministro, não se trata de multa punitiva, que pode ser muito superior e tem natureza jurídica distinta, sendo aplicada em casos de atos ilícitos no descumprimento de obrigação fiscal acessória, dependendo seu montante da tipicidade estrita do ilícito.

O ministro Gilmar Mendes citou diversos outros precedentes, além do RE 212209, que teve como redator para o acórdão o ministro Nelson Jobim (aposentado) e é o leading case (caso paradigma) nesse assunto. E, entre os precedentes que consideraram constitucional a aplicação de multa de 20%, relacionou os REs 239964 e 220284, relatados, respectivamente, pela ministra Ellen Gracie e pelo ministro Moreira Alves (aposentado).

Discordâncias

Os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello foram votos vencidos, dando provimento ao recurso extraordinário interposto pela Jaguary Engenharia, Mineração e Comércio Ltda. Eles entenderam que a inclusão do próprio ICMS em sua base de cálculo representa, sim, dupla tributação e contraria o espírito da Constituição Federal, no que estabeleceu os princípios que devem nortear o legislador na fixação dos respectivos tributos.

O ministro Marco Aurélio lembrou que, dos atuais integrantes do STF, ele foi o único que participou do julgamento do RE 212209, em 1999, e disse que a Corte, em sua atual composição, teria a oportunidade de mudar a jurisprudência então firmada. No entender dele, essa inclusão do valor do ICMS em sua base de cálculo, via lei complementar, “foi engendrada por uma via indireta” para majorar o tributo. Isso porque o fisco passou a exigir do vendedor não o valor da alíquota sobre o negócio, mas o somatório da base de cálculo e do valor do próprio tributo.

Segundo o ministro Marco Aurélio, essa exceção no caso do ICMS abre um precedente para se aplicar a mesma sistemática também a outros impostos, como o de renda, por exemplo. Para o ministro Gilmar Mendes, entretanto, ao incluir o ICMS em sua base de cálculo, o legislador visou realmente a uma majoração do tributo, sendo completamente transparente. Tanto que, segundo ele, essa inclusão majora o tributo em 11,11%.

Também voto discordante, o ministro Celso de Mello lembrou que tem decidido em sintonia com a jurisprudência da Corte, mas que entende que esta inclusão do próprio ICMS em sua base de cálculo é incompatível com o ordenamento constitucional, ao incluir “valores estranhos à materialidade da incidência do ICMS”.

Segundo o ministro Celso de Mello, a CF não cria tributos. Isso cabe ao legislador comum. Ao estabelecer o sistema tributário, a Carta Constitucional apenas dispõe sobre as regras para as pessoas políticas (os Legislativos) regulamentarem a matéria. E estas, ao incluir o ICMS na sua base de cálculo, contrariaram o disposto no artigo 155, inciso I, da CF, que prevê a não cumulatividade do tributo. Tanto ele quanto o ministro Marco Aurélio entendem, também, que a cobrança da multa de 20% constitui confisco, vedado pelo artigo 150, inciso IV, da CF.

FK/AD,C