Pena de perdimento a terceiros só pode ser aplicada caso evidenciada a má-fé

Perdimento de mercadoria é inaplicável se não há má-fé

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região não acatou um recurso da União, na qual pedia pena de perdimento a um conjunto de máquinas fotográficas apreendidas pela Receita Federal. Segundo a União, deveria ser aplicada a pena pois a mercadoria não possuía documentação fiscal idônea. E deveria ser tratada como dano ao erário.

Segundo a União, a Receita Federal apreendeu “10 máquinas fotográficas, de origem estrangeira, cujas notas fiscais não individualizavam o número de série, além de não haver qualquer rotulagem na mercadoria capaz de identificar quem foi o real importador das mesmas”. Além disso alegou, que, “as notas ficais que acompanharam as mercadorias foram emitidas por empresas inaptas, além de conter outras irregularidades”, tais como emissão sem autorização do órgão responsável e não identificação da mercadoria. Para a União, por estar desprovida de documentação fiscal idônea, a mercadoria submete-se à legislação aduaneira e deve ser tratada como dano ao erário, aplicando-se em relação a ela a pena de perdimento.

A relatora do caso, desembargadora Maria do Carmo Cardoso, afirmou que, não havendo menção nas notas fiscais sobre a real destinação das mercadorias, não é possível saber se constituem produtos estrangeiros de importação direta ou se produtos estrangeiros adquiridos no mercado interno. E, uma vez que se cuida de agravo, acrescenta a desembargadora: “[…] a atribuição sumária da pena de perdimento esgotará o objeto da ação originária, que submete o caso ao crivo do Poder Judiciário”.

No que diz respeito especificamente à aquisição, ela apontou jurisprudência do STJ, segundo a qual “não se pode exigir do adquirente de mercadoria estrangeira, no mercado interno, o cuidado de investigação antes de efetuar a compra, a respeito da legalidade da importação ou regularidade do alienante, até porque presume-se a boa-fé do adquirente de mercadoria importada em estabelecimento regular, mediante nota fiscal”.

Por fim, a desembargadora afirmou que, conforme entendimento da 8ª Turma do TRF-1, “a regularidade do procedimento de aquisição da mercadoria apreendida e das informações constantes da nota fiscal, bem como a idoneidade do alienante devem ser melhor analisados em juízo de cognição exauriente, com a prolação da sentença no feito originário”. Por unanimidade, a 8ª Turma do TRF-1 negou provimento ao recurso da União. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-1.

Processo 0021818-91.2010.4.01.0000/DF

Repetro, um regime aduaneiro multiuso.

Petroleiras usam brechas da legislação e importam até biquínis sem imposto

Regime aduaneiro do setor virou caixa-preta: renúncia fiscal não aparece no Orçamento e Receita não consegue fiscalizar operações

17 de setembro de 2011
Iuri Dantas, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Petroleiras e suas prestadoras de serviços usam brechas na legislação especial de tributação do setor de petróleo e gás para importar biquínis, mesas de sinuca, selas, pregos, cabides, bijuterias e até papel higiênico sem pagar impostos nos últimos dez anos. Dados obtidos pela reportagem mostram que regras frouxas desfiguraram o regime aduaneiro especial conhecido como Repetro e transformaram o mecanismo em caixa-preta sem controle do Congresso ou da Receita. 

Criado em 1999, o Repetro é a maior renúncia fiscal de tributos externos do País: R$ 47 bilhões em impostos que o governo abriu mão de arrecadar nos últimos dez anos. Mas essa renúncia fiscal não consta do Orçamento e as operações não aparecem no sistema de comércio exterior, o que torna difícil medir com precisão o valor do benefício.

Analistas dizem que a desoneração pode alcançar três vezes o valor estimado e chegar a R$ 150 bilhões. O Ministério da Fazenda não quis se pronunciar sobre o assunto.

As dificuldades para monitorar o regime são intransponíveis, segundo especialistas. O problema está na forma como a legislação define que produtos podem ser importados. As regras preveem, por exemplo, a importação de “partes e peças” para garantir a operação de maquinário. Pelo menos 50 prestadores de serviço, mais a Petrobrás, OGX, Shell e Chevron, utilizaram o Repetro neste ano, segundo levantamento do Estado.

“A política de agregação de valor na cadeia de petróleo e gás é essencial para o Brasil, mas é preciso ter regras transparentes e fiscalização efetiva para não se tornar um faz de conta”, avaliou o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior.

Brechas. Uma mudança promovida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em 2009, eliminou a exigência de mais rigor no programa.

Em vez de uma lista de produtos específicos que podem ser beneficiados, a mudança permite que as companhias de petróleo e gás forneçam uma “descrição” genérica dos bens que desejam importar. A modificação dificulta o controle pela Receita e prejudica a indústria nacional.

Dados da Receita obtidos pelo Estado mostram que é a falta da identificação dos produtos permite importar papel higiênico e roupas de cama no interior dos navios. Materiais como correntes, cordas, fios, parafusos e pinos, representam impostos não recolhidos de R$ 400 milhões. Tubos, válvulas, máquinas, bombas e motores não pagaram R$ 3,8 bilhões em impostos.

As empresas dizem que vão importar uma embarcação, mas aproveitam a brecha para trazer, no navio, os produtos de consumo para a tripulação e para os funcionários aqui no Brasil. Seria o mesmo que um usineiro aproveitar o conteiner de uma destilaria para importar facões para cortar cana e banheiros químicos para botar na plantação.

Se a regra previsse a “individualização” dos produtos beneficiados pelo Repetro, o fiscal poderia cobrar o imposto. “Identificar”, para os fiscais da Receita, é apenas constatar que o artigo diante dele é mesmo, por exemplo, o capacete de um operário de plataforma. “Individualizar” é dizer que o chapéu recebe código da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) e que paga um alíquota definida.

Exportação ficta. O Repetro atua em duas frentes. Permite que empresas brasileiras “exportem” produtos sem incidência de PIS/Cofins e IPI para exploração de campos no País, a chamada exportação ficta.

Na segunda modalidade, empresas podem importar equipamentos, máquinas, partes e peças por período “temporário”, para não prejudicar a indústria. As regras são tão imprecisas que as petroleiras importam artigos que depois da perfuração ficam presos ao fundo do mar.