TRF 3 não se define sobre constitucionalidade de quebra de sigilo bancário pela RFB

Turmas do TRF-3 divergem sobre quebra de sigilo

Por Tadeu Rover – CONJUR

A possibilidade de quebra de sigilo bancário por requisição administrativa, sem autorização judicial, gerou divergência de entendimento entre a 3ª e a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Em decisões recentes, as turmas decidiram em sentido oposto. Uma autorizando a quebra e a outra afirmando que o procedimento é inconstitucional. Ambas se basearam em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que já reconheceu Repercussão Geral do assunto, mas ainda não julgou a ação.

A quebra de sigilo por requisição administrativa está amparada pela Lei Complementar 105/2001, que permite a quebra para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial. No STF, há pelo menos seis ações diretas de inconstitucionalidade contra a lei complementar. Além disso, o STF reconheceu em 2009 a Repercussão Geral do tema no Recurso Especial 601.314 — que versa sobre o assunto — ainda não julgado.

Enquanto aguardam uma definição do Supremo, as Turmas do TRF-3 utilizam outras decisões proferidas pelo próprio STF em ações sobre o tema. E, assim como o Supremo, divergem sobre a legalidade da quebra.

Com base no Recurso Especial 389.808, julgado em maio de 2011 pelo STF, sob relatoria do ministro Marco Aurélio, a 3ª Turma do TRF-3 entendeu que a quebra de sigilo bancário por requisição administrativa, sem intevernção judicial, é inconstitucional. Na ocasião, o Supremo definiu que “conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção — a quebra do sigilo — submetida ao crivo de órgão equidistante — o Judiciário — e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal”.

“De fato, a normatização lesiva ao sigilo bancário dos contribuintes (artigo 5º, XII, CF) é inconstitucional, conforme já declarado pelo Supremo Tribunal Federal, nada havendo mais que discutir no âmbito desta Corte”, complementou a relatora do caso na 3ª Turma, desembargador Carlos Muta.

Presunção de legalidade
Em sentido oposto, a 4ª Turma do TRF-3 considerou que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade na quebra de sigilo bancário e de movimentação financeira sem autorização judicial.  “A prerrogativa conferida ao fisco pela Lei Complementar 105/2001 não lhe permite, a seu talante, devassar a vida de quem quer que seja por conta de perseguições, antipatias ou quejandos. A quebra do sigilo bancário, como restrição do direito à privacidade do cidadão, somente há de ser permitida ante a necessidade do procedimento, a bem de interesses igualmente insculpidos na nossa Constituição e seguindo o devido processo legal”, explica a desembargadora Marli Ferreira.

Em seu voto, a desembargadora cita o mesmo Recurso Especial 389.808 — utilizado pela 3ª Turma do TRF-3 para confirmar a inconstitucionalidade — e afirma que nesta ação a questão não foi extinga. “A decisão proferida pelo STF no RE 389.808, afastando a possibilidade de o fisco proceder à quebra do sigilo bancário sem autorização judicial, não dirimiu definitivamente a questão, em razão de outras decisões contrárias a essa”, explica.

Marli Ferreira cita o Inquérito 2.593, julgado pelo STF em fevereiro de 2011, sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, no qual afirma que a autoridade fiscal, em sede de procedimento administrativo, pode utilizar-se da faculdade insculpida no artigo 6º da LC 105/2001.

O artigo mencionado permite que autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios somente examinem documentos quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Para a desembargadora, o juiz ao se deparar com um caso de quebra de sigilo bancário sem autorização judicial deve verificar, caso a caso, se o sigilo bancário há ser compatibilizado com outros princípios norteadores da Constituição, ou se, no caso em concreto, tal quebra afrontaria diretamente direito insculpido nessa mesma Constituição.

Segundo Marli Ferreira, até que o Pleno do Supremo julgue a constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001, ela possui presunção de constitucionalidade, “não havendo qualquer mácula na solicitação, pelo fisco, de informações bancárias”.

Clique aqui para ler a decisão da 3ª Turma do TRF-3.
Clique aqui para ler a decisão da 4ª Turma do TRF-3.

Crime de descaminho só se configura após findo o processo administrativo

Constituição definitiva do crédito tributário configura crime de descaminho

Para configuração do crime de descaminho, é necessária a prévia constituição do crédito tributário na esfera administrativa. Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal contra duas pessoas denunciadas pelo crime previsto no artigo 334 do Código Penal (CP). Segundo os ministros, é inadmissível o uso da ação penal antes da conclusão do procedimento administrativo.

Os denunciados foram encontrados com mercadorias estrangeiras introduzidas irregularmente em território nacional, sem recolhimento dos impostos devidos. Eles traziam mercadorias nos valores de R$ 12.776,48 e R$ 17.085,41. Outros dois corréus, com produtos nos valores de R$ 9.185,70 e R$ 8.350,64, também foram denunciados pelo mesmo crime, mas a denúncia contra eles foi rejeitada com base no princípio da insignificância.

Inconformada, a Defensoria Pública da União impetrou habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), sustentando que não houve prévia constituição do crédito tributário no âmbito administrativo, o que impediria o início da ação penal. O tribunal denegou a ordem, ao concluir que a constituição do crédito não seria condição de punibilidade.

No STJ, os recorrentes buscaram o provimento do recurso ordinário em habeas corpus, “para determinar o trancamento definitivo do processo penal, em relação ao suposto delito de descaminho”.

Jurisprudência
O ministro relator, Marco Aurélio Bellizze, lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que “a pendência de procedimento administrativo fiscal impede a instauração da ação penal, bem como de inquérito policial, relativos aos crimes contra a ordem tributária, já que a consumação dos delitos somente ocorre após a constituição definitiva do cr édito tributário”.

De acordo com a Súmula Vinculante 24 do STF, não se tipifica crime material contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo. Para Bellizze, diante dessa súmula, a constituição definitiva do crédito tributário não pode ser dispensada na configuração do delito de descaminho.

O ministro ressaltou que há na doutrina posição que considera o não pagamento do tributo suficiente para a consumação do crime de descaminho, que seria um delito formal. Mas ele discorda. “O direito penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes”, afirmou.

Para Bellizze, ao tipificar o delito de descaminho, o intuito do legislador foi o de evitar o não recolhimento do imposto devido. “Quitando-se o tributo devido, descaracteriza-se o delito de descaminho”, ponderou.

Procedimento administrativo
Atento à similitude existente entre o delito de descaminho e os crimes contra a ordem tributária, o STJ passou a adotar decisões no sentido de que é possível extinguir a punição pelo pagamento do tributo, nos casos de crimes descritos no artigo 334 do CP. Portanto, segundo Bellizze, é inaceitável a utilização da ação penal como forma de forçar o acusado a pagar tributo antes do fim do processo administrativo fiscal.

Segundo o voto do ministro, para que o fisco exija o valor devido a título de tributo, é necessária a realização de procedimento administrativo, para verificar o fato que gerou a obrigação, calcular o tributo devido e identificar o sujeito passivo, e, se for o caso, propor a aplicação da penalidade.

O relator ressaltou que apenas a autoridade administrativa tem competência para avaliar a existência do tributo. Além disso, o contribuinte tem o direito de discutir, administrativamente, se realmente há o tributo e, se for vencido, ele poderá ser intimado a pagar o valor devido, dentro de 30 dias.

O ministro citou que, em consulta ao site da Secretaria da Receita Federal – Seção de Controle e Acompanhamento Tributário, confirmou-se que ainda não foram avaliados os recursos administrativos apresentados pela defesa dos recorrentes. Por essa razão, a Turma deu provimento ao recurso em habeas corpus para trancar a ação penal.

FONTE: STJ

Importadora brasileira consegue, no TRF4, anular pena de perdimento imposta pela Receita

TRF-4 anula penalidade imposta à importadora de DVDs

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou, na última semana, apelo da União e manteve sentença que anulou penalidades impostas à empresa paranaense Mundi Comércio Internacional. Ela havia sido punida pela Fazenda Nacional após acusação de ter tentado omitir a participação da empresa Qisheng Internacional do Brasil na importação conjunta de DVDs.

De acordo com os autos, a suspeita levou a Receita Federal a apreender a mercadoria e instalar Procedimento Especial de investigação da transação. Também foi aberto processo administrativo contra a empresa Qisheng, que resultou na pena de perdimento de bens.

A Mundi alegou que era a única responsável pela importação de DVDs da empresa chinesa Umedisc e teria contratado a Qisheng, apenas para o uso da marca QVI, de propriedade da Qisheng, na comercialização dos produtos.

A decisão da Receita levou a Mundi a entrar com ação contra a União na Justiça Federal de Curitiba, pedindo anulação dos processos administrativos e indenização por perdas e danos.

A sentença considerou inconsistentes as provas trazidas pela Receita Federal. Os processos administrativos foram anulados. Quanto à indenização, o juiz de primeiro grau entendeu que o órgão público não devia ser punido por cumprir o dever legal de fiscalizar.

A União recorreu, argumentando que as penalidades haviam sido adequadas ao caso. Disse, ainda, que o próprio site da QVI indica a Qisheng como uma das importadoras. Pediu a manutenção da pena.

O desembargador Joel Ilan Paciornik, relator do processo, entendeu que os indícios levantados pela Receita para punir com o perdimento dos bens não foram fortes o suficiente. Segundo ele, pela gravidade da pena, esta deve estar sempre baseada em provas fortes, o que não teria ocorrido no caso. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4.

Inscrição em dívida ativa só é possível após encerrado o processo administrativo

Juiz cancela inscrição em dívida ativa

Por Bárbara Pombo | De São Paulo

A empresa Maqplas Indústria e Comércio de Máquinas obteve uma sentença na 2ª Vara Federal em Osasco que determinou o cancelamento da cobrança judicial de um débito fiscal de R$ 100 mil. O Fisco havia discordado da compensação de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) realizada pelo contribuinte para o pagamento de outros tributos e inscreveu o débito em dívida ativa. A operação, entretanto, ainda estava em análise pela Receita Federal.

Segundo o advogado Marcio Amato, sócio do escritório Amato Filho Advogados, o caso ainda não havia sido julgado nem na primeira instância da esfera administrativa. “Mas a dívida foi encaminhada à procuradoria para execução, o que jamais poderia ter ocorrido”, afirma o advogado, que defende a fabricante de equipamentos industriais.

De acordo com Amato, houve um erro no preenchimento do documento de Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação (PER/DCOMP) que foi corrigido em maio de 2010, antes do lançamento do débito. “Fiz a retificação antes de o Fisco decidir homologar ou não a operação, inclusive, o que não ocorreu até hoje”, diz o advogado.

O juiz federal Herbert Cornelio Pieter de Bruyn Júnior, da 2ª Vara Federal em Osasco, considerou “inadequada” a execução do débito até que a Receita Federal analise a compensação. “Forçoso reconhecer que, apesar do erro inicial do contribuinte e da correção administrativa do equívoco, houve, inadvertidamente, a propositura da execução, a qual, a este tempo, era descabida”, afirmou o magistrado na decisão.

Para o advogado Maruan Abulasan, do escritório Braga & Moreno Advogados e Consultores, a situação viola a Lei de Execuções Fiscais e prejudica a empresa que tem o nome inscrito no Cadastro Informativo (Cadin) dos créditos não quitados do setor público federal. “Se a retificação foi apresentada, não há liquidez e certeza para efetuar a cobrança”, afirma. “É necessário esgotar a via administrativa.”

O advogado Pedro Moreira, do escritório Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados, acrescenta que a Lei nº 9.430, de 1996, determina que a Receita Federal notifique o contribuinte sobre a decisão de não-homologação da compensação e dê a ele 30 dias para recorrer. “Se o delegado não concorda com a operação, o contribuinte deve ter conhecimento disso antes de ter a dívida inscrita”, diz.

Na decisão, o juiz ainda determinou que a Fazenda Pública arque com os honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recorrerá da condenação de pagamento dos honorários de sucumbência porque entende que a ação foi ajuizada em razão de erro cometido pelo contribuinte no preenchimento do PER/DCOMP.

Não incide IR sobre variação cambial nos investimentos em controladas/coligadas

Conselho afasta cobrança de IR sobre variação cambial

Bárbara Pombo | De São Paulo
O resultado positivo da equivalência patrimonial decorrente de variação cambial em controladas e coligadas no exterior não está sujeito ao pagamento do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Este foi o entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ao analisar recursos de grandes contribuintes que possuem investimentos em empresas estrangeiras. A equivalência patrimonial é um método contábil utilizado para atualizar o valor da participação societária da investidora no patrimônio da empresa. Em pelo menos cinco decisões recentes, a Corte administrativa do Ministério da Fazenda entendeu que a variação cambial não é lucro. Dessa forma, não poderia haver tributação. 

Por unanimidade, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também considerou a cobrança ilegal ao analisar o recurso da empresa Beckmann Pinto Administração de Bens e Participações contra a Fazenda Nacional, em abril. No Carf, tramitam atualmente cerca de 50 ações sobre o tema, cujos valores das autuação ultrapassam os R$ 10 milhões.

Para advogados, os precedentes são importantes porque significam a “correção” de uma norma da própria administração fazendária. Segundo o tributarista Rodrigo Rigo Pinheiro, do Braga e Moreno Consultores Jurídicos e Advogados, pagar impostos sobre variação cambial traria reflexos negativos diretos sobre o planejamento das empresas com investimentos no exterior. O advogado Jimir Doniak Júnior, do Dias de Souza Advogados Associados, tem a mesma opinião. “Pretender tributar a variação de câmbio é onerar um mero registro contábil momentâneo, que provavelmente não irá se concretizar”, diz.

De acordo com o procurador-chefe da Fazenda Nacional no Carf, Paulo Riscado, a jurisprudência a favor do contribuinte tem sido firmada por falta de base legal para a cobrança. Isso porque a Medida Provisória nª 2.158-35, de 2001, não prevê a tributação sobre a variação cambial. No entanto, muitas empresas foram autuadas por causa da Instrução Normativa (IN) da Receita Federal nº 213, de 2002, que determinou a apuração de todos os valores relativos ao resultado positivo da equivalência patrimonial. “Como o contribuinte reconhece o lucro e a variação cambial juntos, o fiscal não faz a distinção. É como se ao jogar uma rede ao mar pescássemos o camarão e a baleia. Queremos só o camarão”, diz o procurador.

Hoje, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar a constitucionalidade da Medida Provisória (MP) nª 2.158-35, de 2001. Está na pauta uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a tributação do IRPJ e da CSLL sobre os ganhos por equivalência patrimonial em controladas e coligadas estrangeiras. O problema apontado é que o artigo 74 da MP prevê a incidência, tenha ou não ocorrido a disponibilização dos dividendos para a companhia brasileira. “A incidência não pode ser sobre uma ficção, sobre um dividendo que não está disponível”, diz Gustavo Amaral, advogado da Confederação Nacional da Indústria (CNI), entidade que propôs a ação. Na avaliação da CNI, o texto torna o investimento a partir do Brasil mais caro, além de dificultar a internacionalização das empresas nacionais.

A Adin espera há dez anos pelo julgamento. A definição está nas mãos dos ministros Cezar Peluso, Celso de Mello e de Ayres Britto, que havia pedido vista do processo. Seis votos já foram proferidos. São três a favor do contribuinte, dois contra e o voto da relatora Ellen Gracie que considerou o dispositivo inconstitucional apenas para as coligadas.

Para o jurista Heleno Taveira Torres, é um equívoco fazer a distinção entre coligadas e controladas porque a MP afeta todos os tipos de participação societária. “Não há como salvar o texto. Ele é inconstitucional”, diz Torres, citando o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN).

Luz no fim do túnel: carteis anti-importação podem sofrer punições no Cade

Cade julga hoje processo contra Abrinq, acusada de cartel

 

MARIANA BARBOSA | Folha de São Paulo
DE SÃO PAULO

O Cade (Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência) julga hoje processo sobre suposta formação de cartel por parte da Abrinq (Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos) e de seu presidente, Synésio Batista da Costa.

A Abrinq e Costa são acusados de induzir fabricantes a estabelecer cotas e fixar preços mínimos para limitar a importação de brinquedos da China.

A denúncia foi feita pela americana Mattel (das marcas Barbie e Hot Wheels), que gravou reunião na qual Synésio tenta fazer a combinação de preços com associados. Na época, a Mattel era uma das maiores importadoras de produtos chineses e seria prejudicada pela medida.

O processo chegou à SDE (Secretaria de Direito Econômico) em 2006. Em novembro de 2009, o órgão concluiu a investigação com uma recomendação de condenação ao Cade.

Cinco advogados de defesa da concorrência ouvidos pela Folha afirmaram que, do ponto de vista técnico, a chance de condenação é grande. Procurados, Abrinq e Costa não se pronunciaram.

A tentativa de formação de cartel se deu após o fim de uma proteção (salvaguarda) contra a importação de brinquedos, em 2006.

Para pressionar associados a restringir a importação, Costa dizia ter um acordo firmado com a associação de brinquedos da China (CTA). Além de não ter validade jurídica –relações de comércio exterior são feitas entre governos–, o acordo era genérico e não tratava de cotas.

Apesar disso, a Abrinq conseguiu fazer com que o acordo com a CTA fosse chancelado pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior), do Ministério do Desenvolvimento, que o publicou no “Diário Oficial” em 2007.

DEFESA

Na SDE, a defesa da Abrinq apresentou a publicação como demonstração de que o acordo havia sido homologado pelo governo. Na época, porém, Fernando Furlan, hoje presidente do Cade mas então diretor da Secex, negou o envolvimento do governo no acordo.

Se decidir pela condenação, o Cade pode impor multa para a Abrinq e para Costa. Uma eventual condenação poderá afastar Costa da presidência de empresas e de entidades de classe.

Pelo Código Civil (artigo 1.011), pessoas condenadas contra normas de defesa da concorrência não podem administrar sociedades.

Há na SDE pelo menos duas investigações envolvendo entidades então presididas por Costa: a Abióptica (produtos ópticos) e a Abraflex (embalagens flexíveis).

CARF decide que provisões não podem ser deduzidas da CSLL

Provisões não podem ser deduzidas da CSLL

Laura Ignacio | De São Paulo
Provisões de disputas tributárias em balanços de empresas não podem ser deduzidas da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A decisão é da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – a mais alta instância da esfera administrativa. O resultado foi comemorado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que enfrenta dezenas de recursos contra autos de infração sobre o tema. Com a derrota, advogados de contribuintes começam a formular teses para derrubar o entendimento no Judiciário.Essa foi a primeira decisão da Câmara Superior sobre o assunto. De acordo com o julgamento, por não haver uma situação definida, os tributos com exigibilidade suspensa – por liminar ou depósito judicial – são indedutíveis da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da CSLL, por traduzir-se em nítido caráter de provisão. “Assim, a dedutibilidade desses valores somente ocorrerá por ocasião de decisão final da Justiça, desfavorável à empresa”, diz a decisão do Carf.

No processo, a empresa argumentou que não há regra expressa que impeça o contribuinte de deduzir valores com exigibilidade suspensa da base de cálculo da CSLL. Quanto ao Imposto de Renda, a Lei nº 8.981, de 1995, deixa claro que esses valores são indedutíveis. A PGFN reconhece que não há norma sobre a CSLL. O procurador-adjunto Paulo Riscado argumenta, no entanto, que a Lei nº 9.249, de 1995, impede a dedução de quaisquer provisões. “Vale mesmo que a norma não tenha especificado que esse conceito abrange valores com exigibilidade suspensa ou depósitos judiciais”, explica ele, acrescentando que a decisão da Câmara Superior é relevante por haver valores altos em depósitos em juízo. “Se fosse permitida a dedução da CSLL, o impacto tributário seria grande.”

As empresas de capital aberto são obrigadas a registrar provisionamentos em seus balanços. No caso de haver chance provável de derrota em discussão judicial, devem lançar o valor. Há advogados que defendem o lançamento somente quando há mais de 80% de chance de o contribuinte perder a batalha. Depois que entraram em vigor as novas regras contábeis internacionais (IFRS), segundo especialistas, os auditores passaram a prestar mais atenção nessas discriminações.

Com a derrota na esfera administrativa, começaram a surgir novas teses para possibilitar a dedução de provisões da base de cálculo da CSLL. “Se a empresa faz provisão é porque há grandes chances de perder a disputa. É razoável que esses valores sejam dedutíveis”, defende o advogado Rubens Velloza, do escritório Velloza, Girotto e Lindenbojn Advogados. “Se, por fim, a empresa ganhar o processo, o que pode levar anos, basta que ela pague a contribuição sobre o montante com correção monetária.”

Segundo Velloza, o problema é que, muitas vezes, é imposta a provisão, independentemente das chances de êxito no Judiciário. No caso das instituições financeiras, por exemplo, a Carta-Circular nº 3.429, de 2010, do Banco Central, determina que, nos casos em que for efetuada compensação judicial de tributos com base em tutela provisória, o montante compensado deve ser reconhecido como provisão, até o trânsito em julgado da decisão.

A advogada Ana Utumi, do escritório TozziniFreire, defende a tese de que é preciso diferenciar provisões de valores registrados no balanço como “contas a pagar”. “Se provisões não são dedutíveis da base de cálculo da CSLL, é bom lembrar que nem toda disputa tributária gera provisão na contabilidade”, afirma a tributarista. Segundo ela, se a discussão refere-se à constitucionalidade de uma lei, o montante em jogo deve ser registrado como contas a pagar, sendo dedutível. Somente se a discussão judicial envolve a interpretação de uma lei – se créditos tributários podem ser aceitos, por exemplo -, o montante deve ser registrado como provisão.

Processos judiciais x processos administrativos – concomitância

Fisco patina ao avaliar concomitância de processos

POR ALESSANDRO CRISTO – CONJUR

A regra legal de que uma demanda não pode ser discutida ao mesmo tempo nas esferas administrativa e judicial visa economizar tempo e custos, já que a decisão da Justiça sempre prevalece, mas sua interpretação radical pelos tribunais administrativos tem provocado injustiças. A conclusão é de um grupo de estudos do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Segundo juízes e tributaristas, processos administrativos têm sido extintos indevidamente com base na premissa.

“A grande questão em torno da concomitância são as ações judiciais extintas sem julgamento do mérito”, explica a advogada Ana Clarissa Masuko Araújo, membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e professora do Instituto Nacional de Pós-Graduação, que participa das reuniões no Ibet. Segundo ela, o mero ajuizamento da ação não pode prejudicar o contribuinte, já que processos administrativos têm a vantagem de suspender automaticamente a exigibilidade dos créditos fiscais, mas nos judiciais, isso depende do juiz. Para o fisco, porém, é uma questão de escolha.

“A impetração do mandado de segurança já basta para configurar a renúncia à instância administrativa, não sendo relevante o resultado posterior da demanda, mesmo que o processo seja extinto sem julgamento de mérito”, disse a Fazenda Nacional em recuso julgado pelo Carf em 2008.

O entendimento vem de interpretação conjunta de normas. A Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, inciso XXXV, que a lei não excluirá de apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito. Daí se chegou à conclusão que, com base no Decreto-lei 1.737/1979, artigo 1º, parágrafo 2º e, mais tarde, na Lei de Execuções Fiscais — a Lei 6.830/1980 —, em seu artigo 38, parágrafo único, processos administrativos não podem correr simultaneamente aos judiciais quando ambos tratam do mesmo caso.

“A propositura, pelo contribuinte, de ação anulatória ou declaratória da nulidade do crédito da Fazenda Nacional importa em renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto”, diz o Decreto-lei. E “a propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto”, prescreve a LEF ao se referir a contestações em execuções fiscais, mandados de segurança e ações de repetição de indébito e anulatórias.

O Regimento Interno da Câmara Superior de Recursos Fiscais também positivou o raciocínio. Na versão atual, a previsão é do artigo 78, parágrafo 2º: “a propositura pelo contribuinte, contra a Fazenda Nacional, de ação judicial com o mesmo objeto, importa a desistência do recurso”, o que também determinou o Ato Declaratório Normativo 3/1996, da Coordenação-Geral da Tributação da Receita Federal, e a Súmula 1 do antigo 1º Conselho de Constribuintes do Carf.

Para Ana Clarissa, enquanto a ação judicial não for julgada no mérito, o contribuinte ainda não teve sua causa analisada, e não pode ser privado do direito de discutir administrativamente. É o que ela afirma em artigo publicado na obra Processo Tributário Analítico, coletânea de textos elaborados pelo grupo de estudos do qual faz parte no Ibet, coordenado pelo professor e juiz federal Paulo Cesar Conrado. O livro, recém-lançado pela editora Noeses, aborda as principais questões processuais discutidas em ações tributárias.

Desencontro taxativo
No texto, a tributarista justifica sua opinião simulando a seguinte situação: um importador é autuado pela Receita por classificação errônea de produto na Tabela de Incidência do IPI e no pagamento da Tarifa Externa Comum. Para o fisco, tanto o Imposto de Importação quanto o IPI foram pagos a menor. O contribuinte contesta o auto de infração na Receita, alegando que a multa se baseou apenas na documentação da importação, e não na avaliação in loco do produto importado, que comprovaria a classificação escolhida. Depois, entra com mandado de segurança para anular o lançamento do fisco.

Segundo o artigo, não é raro em situações como essa o fisco extinguir o processo administrativo diante do ajuizamento do mandado de segurança. Porém, também não é raro que o juiz, entendendo que o pedido do contribuinte demandaria produção de provas — o que é inviável em mandados de segurança, que exigem direito líquido e certo —, arquive o mandado de segurança sem julgar seu mérito. A empresa, segundo ela, embora não tenha tido a pretensão sequer avaliada pela Justiça, perderia também a chance de contestar administrativamente a autuação.

“Há casos inclusive de mandados de segurança que apenas pedem proteção ao sigilo bancário frente a requisições de informações pelo fisco, mas são considerados ações concomitantes a impugnações de autos de infrações”, conta Ana Clarissa. “O processo administrativo fiscal é muito importante para a empresa, já que os julgadores desses tribunais são especializados na matéria.” Segundo ela, uma forma de acabar com o problema tanto na esfera federal quanto na estadual seria estabelecer a possibilidade de sobrestamento dos processos administrativos até o julgamento de mérito das ações judiciais.

Para o juiz federal Paulo César Conrado, titular da 14ª Vara Federal de São Paulo e professor do Ibet, é perigoso extinguir precocemente o processo administrativo porque um erro do fisco pode causar uma inscrição indevida da empresa em dívida ativa e impedir a obtenção de certidões, caso o Judiciário demore a entender a situação. “A coexistência só prejudica o processo administrativo se a decisão judicial transitar em julgado”, afirma.

Segundo ele, é difícil para o julgador obter apoio na jurisprudência porque cada decisão se baseia em fatores muito particulares dos casos. “Situações como essa só são corrigidas quando a execução fiscal chega à Justiça, onde o contribuinte pode alegar que a via administrativa lhe foi sonegada”, explica.

Regra conveniente
Diante do acúmulo de processos, a extinção de contestações administrativas sob o pretexto de concomitância é a saída para limpar os escaninhos dos tribunais, de acordo com o tributarista Julio de Oliveira, do escritório Machado Associados. Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Fazenda paulista, Oliveira acredita ser difícil um processo administrativo ser idêntico a um judicial. “Mesmo que o mérito seja o mesmo, sempre há questões não tratadas na via judicial, como o enquadramento correto da multa, os índices de correção aplicados e demais aspectos laterais peculiares”, diz.

Na verdade, o conceito de concomitância é uma ginástica interpretativa do direito processual. Por analogia, ele reflete as características da litispendência, essa sim prevista no Processo Civil, como explica o consultor jurídico Rodrigo Dalla Pria, professor do Ibet de Sorocaba (SP) e juiz substituto no Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. “Usamos a tripla identidade prevista no artigo 301 do Código de Processo Civil: mesma parte, mesma causa de pedir e mesmo pedido”, diz. Porém, segundo ele, é quando o critério não é seguido à risca que surgem os problemas. “Julgadores administrativos às vezes reconhecem a concomitância pelo simples fato de um mesmo crédito ser contestado nas duas vias. Mas é possível contestar de vários pontos. Se a causa de pedir é diferente, por exemplo, não existe mais a tripla identidade.”

Servem como exemplo os corriqueiros mandados de segurança preventivos alegando inconstitucionalidade de tributo, antes da constituição do crédito. Diante de uma liminar favorável ao contribuinte, o fisco constitui o crédito para não perder o direito de fazê-lo, mas mantém sua exigibilidade suspensa. Se a liminar porventura cair, é lavrado um auto de infração. Nesse tipo de situação, segundo Dalla Pria, é grande a chance de a contestação administrativa do auto cair sem ser julgada. “O mandado de segurança ataca coisas não concretas, como inconstitucionalidade. Seria muito difícil ter os mesmos argumentos de uma impugnação administrativa”, ironiza.

É o que ocorria, segundo ele, com importações feitas por empresas não contribuintes do ICMS. Até a edição da Emenda Constitucional 33, em 2001 — depois da qual o Supremo Tribunal Federal adotou a tese do fisco —, não estava claro se não contribuintes deveriam se inscrever para recolher o ICMS nesses casos. A situação envolvia, por exemplo, hospitais que importavam equipamentos médicos caros. Era frequente a apreensão desses equipamentos pelas Secretarias de Fazenda para forçar o pagamento do imposto. A saída eram mandados de segurança alegando que não se pode usar apreensões como instrumento de coação, a chamada sanção política. Liberado o equipamento, o fisco lavrava auto de infração para aplicação de multa, que era impugnado pelo hospital. Estava configurada novamente a situação que derrubaria a contestação administrativa, mesmo que ela não tivesse tratado do caso levado ao Judiciário. “No mandado de segurança, alega-se inconstitucionalidade. Já na impugnação, ilegalidade, devido à falta de previsão de recolhimento por não contribuintes na Lei Complementar 87, de 1988”, diferencia Dalla Pria.

Casos recentes envolvendo a Lei Complementar 102, a chamada Lei Kandir, têm sido frequentes no trabalho da advogada Daniella Zagari Gonçalves, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. Segundo ela, as restrições para apropriação de créditos de ICMS na aquisição de ativo imobilizado, energia elétrica e serviços de telefonia, feitas pela Lei Complementar a partir de 2000, ferem o princípio constitucional da não-cumulatividade dos tributos. “Nos processos administrativos, mesmo alegando também que a autuação estava errada, os argumentos sequer foram apreciados”, conta. Pelo menos 50 casos como esse passaram por suas mãos desde 2009. Porém, se as contestações foram negadas em primeira instância, voltaram a tramitar com decisões favoráveis do TIT paulista.

Joio e trigo
Em São Paulo, a solução veio com a Lei 13.457/2009. De acordo com seu artigo 30, parágrafo 2º, só se pode reconhecer a concomitância se o objeto discutido nos processos for o mesmo. “O curso do processo administrativo tributário, quando houver matéria distinta da constante do processo judicial, terá prosseguimento em relação à matéria diferenciada, conforme dispuser o regulamento”, diz o dispositivo. “A lei está colocando as coisas nos eixos”, diz Rodrigo Dalla Pria. Segundo ele, em caso recente o tribunal manteve a tramitação de processo administrativo contra cobrança de ICMS sobre leasing na importação de aviões. “O relator do processo reconheceu a concomitância apenas no que era idêntico à petição judicial.” Nessas condições, o pedido coincidente é ignorado pelo fisco.

Também foi esse o motivo pelo qual a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda anulou a suspensão de um processo, determinada em primeiro grau pela Receita Federal. Em julgamento de 2009, o tribunal administrativo do fisco federal reconheceu que, existindo diferenças entre argumentos de ambos os processos, o que não foi alegado na Justiça deve continuar tramitando pela via administrativa. “O processo administrativo deve seguir seu curso normal, pois a sua análise, naquilo que não for concomitante com o feito judicial, independe do resultado da ação”, diz a ementa da decisão.

A intenção frustrada da Receita era suspender o processo até o trânsito em julgado da ação judicial. A Delegacia de Julgamento da Receita em São Paulo afirmou que a seguradora envolvida no caso, autuada por deixar de recolher R$ 284 mil em CSLL, tinha a seu favor liminar e sentença reduzindo a alíquota para os parâmetros anteriores à Emenda Constitucional 10/1996, de 18%, e não de 30%. Com as multas, o crédito lançado pelo fisco foi de R$ 741 mil — apesar de a Justiça haver decretado a suspensão da exigibilidade da dívida. A empresa contestou administrativamente a punição, e não apenas o mérito da causa, o que terminou por manter o processo tramitando, por decisão final do Carf.

Curto-circuito
Trombadas entre processos não acontecem apenas quando correm em diferentes Poderes. Há casos dentro da própria Receita, como pedidos de compensação e impugnações de autos de infração relativos aos mesmos créditos. Quando tem um pedido de compensação não homologado ou com créditos glosados, o contribuinte contesta. Se ao analisarem o processo, os auditores decidem fiscalizar os períodos informados, é possível que um processo paralelo seja aberto para autuar o contribuinte por erro. “Embora sejam conexos, os dois processos podem cair com relatores diferentes, e ter decisões opostas”, explica Ana Clarissa Araújo. Segundo a conselheira do Carf, essa é uma situação ainda sem solução no regimento interno do órgão.

A Receita Federal e seus eternos entraves

Receita dificulta acesso a informações fiscais

Fonte: CONJUR

Após uma manobra do Senado, a Medida Provisória 507/2010 — que, com o intuito de garantir o sigilo fiscal, obrigou advogados a portar procuração pública elaborada por cartório para representar o contribuinte junto à Receita — perdeu sua eficácia na quarta-feira (16/3). Senadores governistas e de oposição entraram num acordo, deixando vencer o prazo para que a matéria fosse votada, para que o texto original da MP fosse resgatado e apresentado novamente ao Congresso. Porém, como projeto de lei.

Com a medida, será retomado o artigo 5º da MP, justamente aquele que tratava da exigência de procuração pública para os advogados. O dispositivo havia sido derrubado pela Câmara dos Deputados no início do mês, quando a casa votou a MP, após muita pressão de entidades que representam contabilistas, fiscais da Receita e defensores. A medida foi uma resposta rápida do governo para o escândalo de vazamento de dados fiscais de membros do PSDB em plena campanha eleitoral, no ano passado.

Tributaristas ouvidos pela ConJur afirmaram que a possibilidade do dispositivo voltar a valer não assusta, pois as chances do tema ser discutido de maneira mais criteriosa são maiores agora. Mesmo assim, a Diretoria Executiva Nacional do Sindifisco saiu na frente e já está se preparando para acompanhar o trâmite do projeto de lei para garantir a segurança funcional dos auditores fiscais, uma vez que a proposta prevê sanções mais duras para os servidores.

A questão é que antes mesmo da publicação da MP 507, os advogados já encontravam dificuldades para representar o contribuinte junto à Receita. Há casos em que é preciso recorrer à Justiça para que o defensor tenha acesso aos procedimentos administrativos abertos, uma vez que os prazos são curtos. O próprio contribuinte que quiser acessar suas informações vai enfrentar uma série de obstáculos.

O professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo, Heleno Taveira Torres, afirmou que a MP 507 atendia uma urgência daquele momento. No entanto, ele avalia que a questão de acesso de dados merece um debate mais denso e qualificado, com representantes dos contribuintes e da Fazenda apresentando suas razões. “Não há muito sentido em editar MP em matéria de administração tributária”.

Para o advogado tributarista Rodrigo Marques, do escritório Marques & Associados, a tendência é que o Fisco crie cada vez mais dificuldades. “Os prazos são curtos, os procedimentos para acesso de dados são complicados, os fiscais também não são acessíveis e juntar provas é cada vez mais demorado. A impressão que se tem é que, ao contrário do Direito Criminal, em que o Estado tem de provar que a pessoa é criminosa, nos processos que correm junto à Receita é o contribuinte que tem de provar sua inocência”.

Quando se trata de um pedido de informação, há a possibilidade do contribuinte pedir prorrogação de prazo, porém, nos casos de autuação, não há flexibilidade. “Os pedidos de informação, tanto para pessoa física quanto jurídica, são muito genéricos, é preciso consultar a Receita para saber do que se trata, mas ela só te atende com hora marcada. Muitas vezes se leva semanas para que o atendimento seja agendado, por meio da internet. Já cheguei ao ponto de fazer um boletim de ocorrência, pois meu prazo iria vencer”, afirmou Marques. Outro entrave é que, no dia do atendimento, o contribuinte só pode ter vista dos autos. Para ter cópias, é preciso pagar.

Quando as dificuldades de se obter informações aumentam e os prazos diminuem, a única saída é entrar com um Mandado de Segurança. “Ou seja, o objetivo de se solucionar com mais rapidez um problema pela via administrativa e não saturar ainda mais a Justiça se perde”, destacou Marques.

Um dos casos mais conhecidos é o do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, que recorreu à via judicial para ter acesso ao processo administrativo que apurava a quebra de seu sigilo fiscal. Em agosto de 2010, a Justiça Federal determinou que a Corregedoria da Receita desse acesso aos dados.

O tributarista Jorge Henrique Zaninetti, do escritório TozziniFreire Advogados, também já teve de impetrar Mandado de Segurança para resguardar o direito de apresentação de informação a um contribuinte. Isso porque, quando há uma fiscalização, os prazos são extremamente exíguos e levantar centenas de notas fiscais e de documentos de um dia para a noite não é fácil. “Porém, quando há a situação inversa, ou seja, o contribuinte depende de informações junto à Receita, mas o agente público não está por norma sujeito a nenhum tipo de prazo, a não ser pelo princípio da atuação administrativa, o contribuinte fica refém”, observou.

Por conta das dificuldades, muitas vezes o contribuinte pessoa física, que sempre avalia a questão do custo-benefício, desiste do processo. “Quando se avalia que será preciso contratar advogados para cuidar de um caso longo e que muitas vezes ele precisará ir e vir há diversos departamentos, a decisão tomada é no sentido de pagar o que o Fisco pede sem questionamentos”.

Ele citou que, em um dos casos que atuou, a Receita fez o arbitramento de lucro por entender que havia inconsistência nos arquivos magnéticos. Mas, no caso, o erro não foi do contribuinte, mas sim dos programas utilizados pela Receita. “Não havia inconsistência entre a DCTF [Declaração de Contribuições e Tributos Federais] e os arquivos magnéticos. Levei 2,5 anos, tendo inclusive de ir à Brasília para fazer sustentação perante ao Carf, para explicar que o que acontecia é que um programa da Receita despreza os zeros à esquerda e o outro não, logo, as informações cruzadas não batiam”.

Heleno Torres também citou que ainda é necessário entrar com Mandado de Segurança para que o contribuinte consiga certidões junto à Receita. “Há um acréscimo de processos judiciais quando a própria Receita poderia proporcionar uma rápida solução ao contribuinte. Ao que parece, quanto mais complexas as empresas, mas escassa e difícil é a divulgação dos dados”.

Gargalos de defesa
Ter o processo administrativo que deu origem à execução é fundamental para que o advogado proceda com a defesa, já que na ação judicial só há a inscrição de dívida ativa. Por isso, ao dificultar o acesso às informações, a Receita viola a Constituição nos artigos 5º, inciso LV, e 37, por negar o direito ao devido processo legal aos contribuintes. Há também violação ao princípio da verdade material, que diz que o Fisco deve ter interesse em ouvir todos os argumentos do contribuinte para não cobrar o que é injusto.

Marques avaliou que há prejuízos mesmo quando o conflito já saiu da via administrativa e corre na via judicial e que, a apesar da maioria dos processos se tratar de problemas ocasionados pelo contribuinte, também há casos em que as autuações e execuções são decorrentes de falhas do Fisco. O tributarista citou o caso de um cliente que recebeu um oficial para penhorar todos os seus carros. Isso porque o nome dele foi incluído por erro no processo que motivou a penhora. Ele nunca foi sócio da empresa que devia.

Além disso, a interpretação dada pelo fiscal sobre o caso aliada aos prazos para a defesa não facilitam. Em um dos casos em que atuou, Marques contou que a Receita desconsiderou um mútuo feito entre duas empresas, cobrando imposto de renda. “A empresa que recebeu o empréstimo nomeou um fiador. No vencimento da transação, o avalista é que efetivamente pagou o empréstimo, porém, o Fisco entendeu que a empresa que pegou dinheiro emprestado recebeu o dinheiro como renda da outra que serviu de avalista”.

Ele teve de providenciar a microfilmagem das transferências bancárias para poder provar que houve o mútuo. “Esse caso levou sete anos para ser finalizado. Cada dia mais, a prova é difícil de ser providenciada, pois a Receita não considera mais contratos, dizendo que tem de haver a prova financeira da transição”.

Problemas técnicos
A administração pública tem investido na ampliação da informatização. Em tese, o uso da tecnologia dá mais transparência ao trabalho do poder público e torna a vida do cidadão mais fácil, na medida em que auxilia na busca de serviços, documentos e informações. No entanto, as ações da Receita Federal estão na contramão da prestação de serviços públicos.

Zaninetti considerou que medidas como a obrigatoriedade da procuração dificultam e burocratizam o trabalho do advogado. “Uma coisa é proteger as informações fiscais, sobretudo em relação a disputas eleitorais e divulgação de patrimônio. Outra é dificultar o exercício da representação do advogado, criando obstáculos. Essa foi uma medida que correu na contramão das evoluções que o Judiciário tem apresentado”.

Ele observou que há um antagonismo entre as duas maneiras de se solucionar um conflito com o Fisco. Enquanto na via judicial há uma série de procedimentos que facilitam o trâmite do processo, na via administrativa acontece o contrário, numa tentativa de forçar o contribuinte a desistir de brigar por um direito e a pagar o que a Receita determina.

“É um retrocesso, custoso, demorado e burocrático. Não obstante a evolução da informática, das bases de dados, da comunicação, o que percebemos é que era mais fácil se obter informações no tempo em que os processos ainda corriam apenas por meio do papel”.

O tributarista Rodrigo Marques acrescentou que os sistemas informatizados de departamentos e autarquias do governo, que, em tese, deveriam agilizar o atendimento, criam uma série de dificuldades. “O sistema do INSS é muito lento, por isso, não é difícil acontecer dos extratos não apresentarem pagamentos feitos por meio da Super Receita. Ou seja, mesmo o contribuinte apresentando em juízo as guias de pagamento, o governo diz que você não pagou. Daí é preciso oficiar o banco para comprovar as autenticações mecânicas”.

A departamentalização – prática de agrupar as atividades em unidades organizacionais – da Receita é outro entrave, segundo Zaninetti. Com a informatização do governo, o natural seria que as informações pudessem ser acessadas de qualquer departamento ou regional. “Tanto a regional da Luz quanto a da Lapa acessam a mesma base de dados”.

Direitos fundamentais
Para o professor Heleno Torres, é compreensível que a Receita adote sigilo em algumas investigações em curso, para proteger os dados de terceiros. Porém, é dever da administração tributária manter a divulgação das informações ao contribuinte. “Não há mais justificativas para restrições ao acesso de informações. Cabe à administração agir com cautela, buscar dispositivos de segurança, mas sem impedir ou fazer exigências excessivas, com custos que onerem o contribuinte e que criem burocracia desnecessária”.

O contribuinte, por falhas do sistema, acaba sendo tolhido de ter acesso aos próprios autos. “A Receita investiu muito em tecnologia para atender as demandas e garantir os direitos fundamentais do contribuinte. Mas também há situações em que o Fisco não possui as informações solicitadas, por exemplo, os créditos de PIS e Cofins”.

Heleno também afirmou que, em detemrinadas regiões e períodos do ano, ainda há contribuintes que pegam senhas para serem atendidos, à espera de um carimbo da Receita, procedimentos que poderiam ser feito por meio de assinatura eletrônica. “Tratar bem o contribuinte é um dever do Estado, é quertão de moralidade administrativa”. A equipe da ConJur entrou em contato com assessoria de imprensa da Receita Federal. Porém, até a finalização da reportagem, assessoria não retornou a ligação.

 

Oficial: Cai a exigência de procuração pública da MP 507/2010

Procuração pública deixa de ser obrigatória

Laura Ignacio | De São Paulo | Valor Econômico
18/03/2011
A exigência de procuração pública para o advogado ter acesso aos processos tributários administrativos de clientes, assim como a imposição de sanções ao servidor público que acessar informações protegidas por sigilo fiscal, sem motivo justificado, perderam a eficácia ontem. Ato do presidente do Congresso Nacional, José Sarney, publicado no Diário Oficial da União, declarou que a Medida Provisória nº 507, de 5 de outubro de 2010 – responsável por tais medidas – teve seu prazo de vigência encerrado no dia 15. 

A medida provisória não foi convertida em lei no prazo de 120 dias a contar de sua publicação, por isso perdeu a eficácia. A MP foi publicada em período anterior às eleições presidenciais, período em que foram divulgadas matérias sobre o vazamento de dados sigilosos de parentes do candidato tucano à presidência.

Segundo lembra o advogado Marcelo Knopfelmacher, presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), com a imposição da procuração pública, o contribuinte tinha que ir até o posto da Receita Federal pessoalmente, o Fisco fazia cópia dessa procuração e o funcionário da Receita atestava sua autenticidade. Só então o advogado estava autorizado a representar o contribuinte perante a administração tributária federal. “Isso encarecia e burocratizava muito porque era preciso esperar até três dias para uma procuração pública ficar pronta”, diz.

O advogado Luiz Rogério Sawaya Batista, do escritório Nunes e Sawaya Advogados, atua em inúmeras discussões administrativas e judiciais relativas a contribuições sobre o setor de telecomunicações. Recentemente saíram decisões em processos administrativos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o cliente pediu vista dos autos para tirar cópia. A Anatel exigiu procuração pública como determinava a MP. “A mesma exigência passou a ser feita pelas delegacias regionais do trabalho”, afirma o tributarista.

Em razão dessas situações, a MP já gerava demandas no Judiciário. O governo do Rio Grande do Sul recorreu à Justiça para obter uma liminar que dispensa a apresentação de procuração pública para servidores terem acesso aos dados do Estado na Receita Federal. No processo, o juiz Eduardo Rivera Palmeira Filho, da 3ª Vara Federal de Porto Alegre, entendeu que a exigência “acabaria por tornar complexo e contraproducente um simples ato de verificação de eventuais inscrições do Estado”.

O que salvou os advogados no seu cotidiano profissional foi a liminar obtida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A decisão suspendeu a obrigatoriedade dos profissionais de todo o país apresentarem procuração pública na representação de clientes em processos administrativos da Receita e chegou a ser confirmada em segunda instância. Para o vice-presidente da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB, Antônio Carlos Rodrigues do Amaral, que representou a entidade na ação, a não conversão da MP em lei é uma vitória da advocacia. “A Receita e a procuradoria agora terão que adequar seus procedimentos internos para ter controle do sigilo fiscal do cidadão por meios próprios, sem custos para o contribuinte”, afirma Rodrigues do Amaral.