STJ discute se Procurador da Fazenda Nacional pode assessorar Ministro em causas tributárias

STJ discute se procurador pode assessorar ministro

Fonte: Consultor Jurídico

O Superior Tribunal de Justiça vai discutir se os ministros da 1ª Seção que têm procuradores da Fazenda Nacional em seus gabinetes estão ou não impedidos de atuar em casos tributários de interesse da União. A questão está posta em Exceção de Suspeição ajuizada pela empresa de incorporações imobiliárias Inajá. O caso está no STJ desde março deste ano, sob relatoria da ministra Eliana Calmon.

De acordo com o pedido da Inajá, subscrito pelo advogado Frederico de Moura Theophilo, os ministros Mauro Campbell, Humberto Martins, Herman Benjamin e Villas Bôas Cueva têm em seus gabinetes, como assessores, procuradores da Fazenda Nacional. Os três primeiros ministros da lista atuam na 2ª Turma do STJ, que faz parte da 1ª Seção, que só julga matérias de Direito Público. Entre elas, as questões que discutem tributos federais, nas quais a União é parte.

Theophilo lista em seu pedido que o procurador Adriano Falcão Neri trabalha no gabinete de Humberto Martnis, Christiano Mendes Wolney Valente está no gabinete de Mauro Campbell e Marcellus Sganzerla é assessor do gabinete de Herman Benjamin. As informações foram obtidas pelo advogado no Portal da Transparência, do governo federal.

Segundo a petição da Inajá, “no mínimo é extremamente esquisita esta cessão de procuradores da Fazenda Nacional como assessores de ministros da 2ª Turma da 1ª Seção do STJ”. De acordo com as contas da empresa, na 2ª Turma, apenas os ministros Castro Meira e Eliana Calmon não têm procuradores em seus gabinetes. “Se isso não for ilegal é, no mínimo, imoral”, escreveu a empresa.

Opiniões vinculadas
A mesma discussão acontece no Conselho Nacional de Justiça. Lá, a seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil reclama da cessão de procuradores a gabinetes de juízes federais no Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Na corte em questão, o gabinete do juiz federal Theophilo Antonio Miguel Filho tinha como assessora a procuradora da Fazenda Nacional Patrícia de Seixas Lessa. Liminar do conselheiro Lucio Munhoz, há duas semanas, determinou que Patrícia deixasse o gabinete de Theophilo Antonio. O CNJ ainda vai julgar o mérito da questão. O TRF-2 já afastou a procuradora do cargo.

Um caso de R$ 30 bilhões levantou a questão. A mineradora Vale discute a cobrança de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido sobre os ganhos de companhias estrangeiras coligadas ou controladas por ela. O TRF-2 decidiu em favor do Fisco federal, e a reclamação foi justamente a de que o relator da matéria era assessorado por uma procuradora da Fazenda.

Responsabilidade total
O ministro Mauro Campbell não parece se incomodar com as alegações. Por telefone, explicou à revista Consultor Jurídico que tem oito assessores técnicos, além do chefe de gabinete. E entre eles, apenas um é procurador da Fazenda Nacional. “Meu assessor é meu assessor. Todos os votos e decisões que profiro são minhas e assumo total responsabilidade por elas. Não delego nenhuma atividade jurisdicional a qualquer assessor, não importa sua procedência”, afirmou.

Campbell contou que as questão são definidas sempre por ele. O trâmite normal é que o caso chegue ao gabinete e vá para um assessor, que elabora um relatório técnico, com todas as questões tratadas no pedido e o encaminha ao ministro. Ele, então, com base na jurisprudência do tribunal, na doutrina e em sua convicção, determina: “A solução é esta”. “O meu assessor não vai conduzir minha opinião. Ao contrário. Afirmar isso é apequenar a figura do juiz”, disse.

A reportagem da ConJur não conseguiu contato com os outros ministros.

Caso concreto
Apesar de o STJ poder definir a questão nesse caso, a Exceção de Suspeição diz respeito especificamente a um caso concreto. É uma discussão a respeito do desconto na taxa Selic para empresas inscritas no programa de parcelamento tributário chamado Refis da Crise. A regra, criada pela Lei 11.941/2009, dá descontos nos juros de mora e na correção monetária das dívidas a empresas que parcelarem débitos tributários, mas implica que elas desistam de discussões judiciais a respeito dos tributos. Para os contribuintes que pagam à vista, o Refis da Crise prevê desconto de 45% na taxa Selic incidente sobre a quantia devida.

O que está posto para o STJ definir é uma regra da Fazenda Nacional que veda o desconto na Selic a contribuintes que fizeram depósito em juízo das dívidas tributárias. A Inajá é uma dessas empresas. Optou pelo pagamento à vista, nos moldes do Refis da Crise, mas havia depositado a quantia enquanto discutia na Justiça.

A discussão começou porque o ministro Mauro Campbell afetou um Recurso Especial ao sistema dos recursos repetitivos, descrito no artigo 543-C do Código de Processo Civil. É um rito processual pelo qual o tribunal, ao perceber que determinada questão é tratada em diversos recursos, escolhe um deles — possivelmente o mais representativo da matéria — e o julga. O resultado desse julgamento é aplicado a todos os demais casos em trâmite na corte.

Depois que o ministro Campbell afetou esse REsp, definiu que as empresas que depositaram em juízo e participam do Refis da Crise não têm direito ao desconto na Selic. Só as empresas que não depositaram a quantia em contas judiciais é que podem ter o desconto.

A suspeição
A Inajá reclama que a decisão de afetar o recurso pelo mecanismo dos recursos repetitivos foi autoritária, sem fundamentação, e monocrática. Frederico Theophilo afirma que um ministro, sozinho, decidiu afetar determinado caso e dizer que ele era o paradigma daquela matéria. Ele alega que o ministro, além de ter decidido sozinho, o fez sem demonstrar quais são os outros recursos que discutem as mesmas teses ou que fazem os mesmos pedidos. “E justamente esse ministro é assessorado por um procurador da Fazenda”, completa o advogado.

O mecanismo dos recursos repetitivos foi criado Lei 11.672, que acrescenta o artigo 543-C ao Código de Processo Civil. E o dispositivo afirma que o relator, se entender que determinada matéria é representativa de controvérsia que chega com frequência ao STJ, “afetará” o recurso como representativo do sistema dos recursos repetitivos.

“O que se levanta é a proximidade, a intimidade do relacionamento diário e constante de um advogado da União, um procurador federal e um procurador da Fazenda Nacional com esse magistrado. Somente por isso, diante do fato de que o advogado da parte que litiga contra a União não goza dessa proximidade e diante do fato de que tais servidores trazem consigo toda uma posição jurídica em defesa da União, já se instala a ofensa ao princípio da igualdade processual”, escreve Theophilo na petição ao STJ.

Contra a decisão, a Inajá apresentou Embargos de Divergência, citando que há outros julgados do STJ, inclusive de relatoria do ministro Mauro Campbell, que definiram a questão de maneira diferente. É nesses Embargos que a Inajá alega a suspeição dos ministros. Como os três ministros têm procuradores da Fazenda em seus gabinetes, sua participação no julgamento dos Embargos de Divergência poderia afetar a decisão em favor da União.

Clique aqui para ler inicial da Exceção de Suspeição.

Exceção de Suspeição 123

Em Busca da Imparcialidade do Judiciário – Posição Arrojada do CNJ

Hoje pela manhã, ainda antes de levantar, li uma notícia que me encheu de esperança*. O CNJ – Conselho Nacional de Justiça proferiu decisão liminar determinando o afastamento de uma Procuradora da Fazenda Nacional do exercício da função de assessora no Gabinete de um Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O objetivo, óbvio, é manter a imparcialidade nos julgamentos. 

O nome do corajoso Conselheiro do CNJ que deferiu a liminar é José Lúcio Munhoz. Antes que os oportunistas venham alegar que o Conselheiro tomou tal atitude por que é advogado privado, que milita contra a Fazenda Pública em Juízo e por isso teria uma visão parcial da questão, aviso aos navegantes: ele é Juiz! Lotado na 3ª Vara do Trabalho de Blumenau.  

A decisão é interessante e vem a lume num momento relevante da história judicial brasileira. Imaginem que estive num seminário recentemente em São Paulo onde se discutiam questões relevantes do Direito Tributário. Após algumas horas de discussão foi ventilada de passagem por um dos palestrantes uma sombria tese sustentada por alguns integrantes da advocacia pública. Dizia ele que circula no meio jurídico-fazendário a idéia de que a Fazenda Pública é hipossuficiente em relação aos contribuintes quando se travam grandes disputas tributárias nos tribunais país à fora. Os Procuradores da Fazenda não teriam como brigar em igualdade de condições contra os grandes escritórios contratados pelos contribuintes. Pasmem!

Pois bem. A Fazenda Nacional (hipossuficiente e coitada) tem a prática de ceder Procuradores da Fazenda Nacional para atuarem com assessores de Juízes e Desembargadores Federais. Prática altruísta e seguramente desinteressada, visa unicamente dar maior celeridade aos julgamentos nas cortes Federais, o que é de interesse de todos os brasileiros. A Fazenda Nacional jura de pés juntos que a atuação dos procuradores cedidos é imparcial. Balela!

O caso que dá suporte à decisão do CNJ veio à tona por ocasião do julgamento de uma causa bilionária envolvendo a mineradora Vale. A Procuradora afastada atuava no Gabinete do Juiz Federal convocado Theophilo Antonio Miguel Filho, justamente o Relator da causa envolvendo a Vale. Pior. A notícia dá conta de que a Procuradora afastada, inclusive, atuou na execução fiscal movida contra a Vale e que desaguou no Gabinete em que ela atua como assessora. 

Será que ela ao minutar a sugestão de voto do Desembargador Relator manteria a imparcialidade? Para que a pergunta não fique viciada, inverta-se a posição. Será que um advogado da Vale, pago pela empresa (pois o salário da Procuradora é pago pela União), na mesma situação manteria a sua imparcialidade..? A resposta é óbvia. 

A medida é sadia e vem num momento em que o desequilíbrio entre contribuinte e Fazenda é gritante. A Receita Federal dispõe de mecanismos ultra sofisticados de investigação e arrecadação, e a Procuradoria da Fazenda Nacional, ao contrário do que querem fazer crer seus integrantes, goza de enorme prestígio no Judiciário onde exercitam a defesa robusta dos interesses da Fazenda. Adicionar a essa estrutura ainda Procuradores atuando como assessores de Juízes e Desembargadores só faria com que o desequilíbrio se acentuasse tornando o contribuinte (esse sim hipossuficiente) uma marionete nas mãos da Fazenda Pública.

Parabéns ao Dr. José Lúcio Munhoz pela equilibrada decisão! Tomara que seja a primeira de muitas outras decisões neste mesmo sentido.

 

Francisco Severien

 

*http://www.conjur.com.br/2013-jun-27/liminar-cnj-proibe-atuacao-procuradora-fazenda-assessora-juiz