Sócio só pode ser executado se tiver participado do processo administrativo

STF julga responsabilidade de sócio

Por Adriana Aguiar | De São Paulo

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) trouxe um importante precendente para sócios e administradores que respondem por dívidas tributárias de suas empresas. A 2ª Turma entendeu, por unanimidade, que eles só podem ser responsabilizados se tiverem participado do processo administrativo que discutiu a cobrança dos tributos.

Para o relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, devem ser aplicados os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório desde a fase administrativa. Seu voto foi seguido pelos demais ministros. Porém, no caso analisado, que envolveu os sócios da paraense Colway Pneus, constatou-se que houve a participação das partes no processo administrativo. Por isso, o pedido não foi atendido.

Ainda assim, tributaristas entendem que a decisão, a primeira sobre o tema, já demonstra uma tendência do Supremo. Segundo o advogado Diogo Ferraz Lemos Tavares, do Freitas Leite Advogados, tem sido prática recorrente da Fazenda Nacional lavrar autos de infração apenas contra a companhia e só incluir a responsabilidade dos sócios e administradores posteriormente, ao executar a dívida. “Porém, quem foi responsabilizado sequer teve o direito de se defender no processo administrativo”, afirma. Agora, com decisão do Supremo, Tavares acredita que já há uma sinalização de que os ministros devem ser favoráveis aos contribuintes nessas discussões.

Isso poderá alterar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tende a responsabilizar os sócios e administradores incluídos na certidão de dívida ativa (CDA), sem levar em consideração se eles foram citados ou não nos processos administrativos. Em abril de 2009, a 1ª Seção do STJ, decidiu que, se o nome do sócio ou do administrador estiver na CDA, caberá a ele – e não ao Fisco – provar na Justiça que não se enquadra nas situações previstas no Código Tributário Nacional (CTN) que possibilitam a responsabilização pessoal por débitos tributários da empresa. O executivo terá que demonstrar que não agiu com excesso de poderes ou infringiu a lei, o contrato social ou o estatuto da empresa. Como o julgamento foi em sede de recurso repetitivo, passou a servir como orientação aos demais tribunais.

Na ocasião, ao julgar o tema no STJ, de acordo com o advogado Diogo Tavares, a ministra Eliana Calmon chegou a argumentar que o sócio não poderia ser responsabilizado caso não tivesse participado do processo administrativo. Porém foi vencida pelos demais ministros. Como a discussão envolve violação a dispositivos constitucionais, como ampla defesa e direito ao contraditório, Tavares acredita que a última palavra será do STF. “Ninguém pode ser responsabilizado por algo sem ter o direito de se defender”, afirma. “A CDA tem apenas que refletir o processo administrativo.”

O advogado Igor Mauler Santiago, do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, também concorda que essa decisão do Supremo, proferida em outubro, representa um avanço em relação ao posicionamento anterior do STJ. “De fato, agora exige-se que ele tenha participado do processo administrativo, ou seja, que a inserção de seu nome na CDA foi ou poderia ter sido objeto de contestação”, diz.

Para o advogado Júlio de Oliveira, sócio do Machado Associados, a recente decisão deve complementar o entendimento já manifestado pelo Supremo de que o sócio só pode responder por dívida tributária se ficar comprovado que ocorreu dolo. A Corte julgou esse tema em novembro de 2010, por meio de repercussão geral. “Sócios e administradores devem ter a oportunidade de se manifestar desde o início do processo administrativo”, afirma.

A advogada Glaucia Lauletta, sócia do Mattos Filho, no entanto, discorda. Para ela, a decisão do Supremo acabou por privilegiar um excesso de formalismo, ao determinar que sócios ou administradores só poderiam responder se fizerem parte do processo administrativo. Para ela, isso contraria o que estabelece o Código Tributário Nacional (CTN) e pode impedir que sócios que tenham cometido atos ilícitos sejam punidos.

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) preferiu não se manifestar, no momento, sobre o assunto. O advogado da Colway Pneus, Flávio Zanetti de Oliveira, não foi localizado pela reportagem.

Inversão do ônus da prova no processo tributário

Inversão do ônus da prova no processo fiscal

Andréa Medrado Darzé – Valor Econômico
22/11/2010
No ano passado, valendo-se da sistemática dos recursos repetitivos, foi julgado o Resp 1.104.900, reconhecendo a inversão do ônus da prova da responsabilidade tributária nas hipóteses em que o nome do responsável já consta, desde o início, no título executivo. A decisão fundamentou-se no artigo 204 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual a Certidão de Dívida Ativa (CDA) goza de presunção de liquidez e certeza.

Esse posicionamento nos causou certa inquietação na medida em que dá margem para que a Procuradoria da Fazenda, mesmo sem lastro em provas, faça incluir o nome do sócio no título executivo, o que somente poderá ser obstado por meio de prova negativa do particular. E essa inquietação se acentuou diante da ausência de previsão legal e de uma posição firme da jurisprudência sobre o procedimento para a constituição de crédito tributário em face de responsáveis.

Neste contexto, foi editada a Portaria PGFN nº 180, de 2010, que trouxe alguma esperança aos administrados, vez que se propôs a regular o procedimento para a inserção dos responsáveis na CDA. Estabeleceu que a inclusão dessas pessoas no título requer declaração fundamentada da autoridade competente acerca da realização de uma das infração que enumera.

A despeito de plausível a presente tentativa, o que se vê é que esta portaria, além de ser demasiadamente vaga – não explica o que é declaração fundamentada: se trata de mera descrição da infração, deve estar acompanhada de provas; e quais provas – subverte o regime jurídico para a constituição e exigência do crédito tributário, já que: i. autoriza a inclusão de sujeito passivo na CDA sem a prévia expedição de lançamento contra sua pessoa;

ii. outorga competência para a procuradoria constituir crédito tributário. Afinal, é ela quem decidirá sobre a inclusão do responsável na obrigação;

iii. deixa a mercê da procuradoria definir quais são as provas suficientes para comprovar a responsabilidade.

Com efeito, responsável não se confunde com o mero garantidor da dívida. Ele é, nos termos do artigo 121, do CTN, sujeito passivo tributário e, como tal, tem direito a todas as garantidas outorgadas aos contribuintes, tais como um procedimento rígido para a constituição de crédito, ao contraditório e à ampla defesa em âmbito administrativo.

É muito distinta a legitimidade da execução de um título confeccionado pela manifestação de vontade de todas as partes envolvidas, daquela decorrente de título constituído apenas pelo credor. Uma coisa é redirecionar os atos coativos para um fiador, que voluntariamente se declara garante, outra é direcioná-la para um sócio que não reconheceu a dívida, tampouco pôde se defender.

É justamente por conta dessa peculiaridade que o processo administrativo foi elevado à categoria de requisito de validade da CDA, quando relativo a tributo constituído pela administração. Sem que seja conferido ao sujeito passivo o direito se defender da exigência antes da execução, ter-se-á comprometida a certeza e a liquidez do título que a fundamenta.

Ademais, a presunção de liquidez e certeza da CDA não possui o alcance que se lhe pretende atribuir o STJ. Mesmo nos casos em que a lei estabelece presunções, é necessária a prova do fato que desencadeia a operação presuntiva. A presunção não dispensa o Fisco de apresentar provas, apenas permite seja demonstrada a ocorrência de um fato por conta da prova de outro. Nota-se, pois, que a presunção relativa à CDA decorre unicamente do fato de ela refletir o ato de constituição do crédito. Inexistente este, insustentável aquela.

Qualquer divergência entre a CDA e o lançamento torna-a inapta para fundamentar a execução, por distanciamento de seu pressuposto jurídico.

Assim, resta evidente que, caso seja instaurada execução fiscal sem o prévio acertamento, pelas provas, do fato da responsabilidade, a defesa do particular deve se restringir a este aspecto: ausência de lastro do título – o que é possível mediante a demonstração de que o lançamento foi lavrado apenas contra o contribuinte; não houve processo administrativo contra a sua pessoa; a declaração emitida pelo particular não faz referência ao responsável etc. Em nosso sentir, essa alegação é suficiente para ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, cabendo ao Fisco apresentar outras provas do seu direito.

Por fim, deve-se ter presente que levar o raciocínio proposto pela jurisprudência do STJ às últimas consequências implica aceitar que a Procuradoria da Fazenda pode, com suposto fundamento na presunção de liquidez e certeza da CDA, emitir título sem qualquer lastro em provas, em flagrante violação de direitos e garantias constitucionais. E isso não apenas no que se refere critério subjetivo, mas em relação a qualquer elemento do fato ou da relação tributária. Basta inscrever o débito em dívida ativa, nos termos que bem entender, para que se desloque para o sujeito passivo o dever de, em sede de embargos à execução, mediante constrição de seu patrimônio, demonstrar que nada do declarado ocorreu.

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Em suma, a referida decisão diz respeito aos casos nos casos onde a CDA emitida pelo Fisco já consta, de antemão, o nome do sócio, atribuindo-lhe responsabilidade pelo crédito tributário executado.
Importante frisar, como meio de defesa aceito, inclusive exposto pela Ministra Eliana Calmon, do STJ, que o contribuinte pode requerer que o Fisco junto aos autos a cópia integral do Processo Administrativo a fim de que reste demonstrado, pelo Fisco, que houve a busca da responsabilidade do sócio, nos termos expostos pelo Código Tributário Nacional.
Na maioria das vezes, como o Fisco não realiza qualquer busca, apenas externando o nome do sócio como responsável, ele pode livrar-se, salvo, por óbvio, casos em que ficou provada a responsabilidade do mesmo e, ainda, quando houver o encerramento irregular da pessa jurídica.
Abraços.,
Luciano Bushatsky Andrade de Alencar
Advogado Aduaneiro.