Acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos permitirá intensa troca de informações fiscais

Fiscos do Brasil e dos EUA trocarão informações

Por Cristine Prestes | De São Paulo
 
Assinado em março de 2007 pelos governos do Brasil e dos Estados Unidos e desde então parado no Congresso Nacional, o acordo para a troca de informações tributárias entre os dois países finalmente entrará em vigor. Na última quinta-feira, o Projeto de Decreto Legislativo nº 30, de 2010, foi aprovado na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado e em seguida no plenário da Casa. Publicado na edição de ontem do Diário Oficial da União, o Decreto Legislativo nº 211 permitirá o intercâmbio de dados fiscais de contribuintes brasileiros e americanos entre a Receita Federal do Brasil e o Internal Revenue Service (IRS) – o Fisco americano.

O acordo – Tax Information Exchange Agreement, ou TIEA, na sigla em inglês – enfrentou enorme resistência na Comissão de Relações Exteriores do Senado, especialmente após o parecer do então relator, Francisco Dornelles (PP-RJ), que entendia que sua eventual aprovação “representaria imensa probabilidade de se fazer tábula rasa de princípios e garantias historicamente outorgados ao contribuinte pátrio”. Segundo o senador, cujo parecer pela rejeição do projeto considerou o acordo “inconveniente e inoportuno aos interesses do contribuinte pátrio”, além de “ilegal e inconstitucional”, a implantação da troca de informações significaria “outorgar privilégios a autoridades administrativas estrangeiras que nem o Ministério Público brasileiro tem”.

De 2007 para cá, no entanto, muita coisa mudou. A começar pela entrada em vigor, neste ano, de uma lei americana que estabelece que instituições financeiras estrangeiras deverão informar ao Fisco dos EUA os nomes de todos os seus clientes que sejam contribuintes naquele país e os valores que mantêm em suas contas bancárias e investimentos. A Foreign Account Tax Compliance Act, conhecida pela sigla Fatca, foi aprovada na esteira dos inúmeros casos de evasão fiscal descobertos pelo governo americano a partir de 2009, quando a crise financeira escancarou práticas nada republicanas de seus contribuintes.

Pelas regras do Fatca, a partir deste ano instituições financeiras estrangeiras de todo o mundo serão “convidadas” a aderir à lei – ou seja, a informar ao Fisco americano quem são e quanto têm seus correntistas americanos. Embora o Fatca não possa obrigar essas instituições a quebrar o sigilo bancário desses clientes, a lei tem argumentos de sobra para convencer o sistema financeiro mundial a aderir às suas regras: o banco que não aderir será considerado não cooperante e, assim, poderá ter 30% dos rendimentos obtidos em transações realizadas nos EUA retidos na fonte.

O Fatca foi o “bode na sala” que faltava para que o acordo para a troca de informações tributárias entre Brasil e Estados Unidos voltasse a tramitar. Isso porque o Departamento do Tesouro americano está estimulando os países a assinar acordos bilaterais para a troca das informações exigidas no Fatca. Em troca, oferece reciprocidade. Ou seja, por meio desses acordos, o governo dos EUA tanto recebe as informações relativas aos cidadãos americanos quanto envia ao país signatário informações bancárias de seus cidadãos. Sem um acordo desse tipo, cada banco de cada país terá que aderir ou não ao Fatca. Se optar por não aderir para preservar o sigilo bancário de seus clientes americanos, podem ser taxados em 30%. Se aderir, corre o risco de sofrer processos judiciais por quebra de sigilo bancário.

Até agora, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Espanha e Japão já assinaram acordos bilaterais com os EUA para implementar o Fatca. No caso do Brasil, o país dependia da existência de um acordo de troca de informações tributárias, como o que agora foi aprovado. Sob a relatoria do senador Jorge Viana (PT-AC) desde 28 de fevereiro deste ano, quando o Senado definiu os novos integrantes de suas comissões, o projeto de decreto que implementa o acordo foi desengavetado mediante intensa atuação do governo, incluindo a própria Receita, o Banco Central (BC) e o Itamaraty. Segundo o parecer de Viana sobre o acordo – o primeiro desta natureza celebrado pelo Brasil -, não se trata de uma iniciativa isolada: ela se inspira em um modelo produzido no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Verifica-se orientação convergente no cenário internacional no sentido de efetivar a troca de informações fiscais entre diferentes soberanias como forma de combate ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e à evasão fiscal”, diz o parecer do senador.

De acordo com Flávio Araújo, coordenador-geral de relações internacionais da Receita Federal do Brasil, com a aprovação do acordo “o espaço para a sonegação e a evasão vai diminuindo”. “Com o Fatca o assunto foi retomado e isso tramitou rapidamente no Senado”, diz. Para ele, a aprovação do projeto de decreto legislativo para a troca de informações tributárias é um impulso para que outros acordos na mesma linha sejam aprovados. Um exemplo disso é um acordo multilateral para o intercâmbio de dados fiscais que envolve 50 países e que já foi assinado pelo Brasil, mas que ainda depende de aprovação no Congresso.

Para Gabriel Rico, CEO da Câmara Americana do Comércio (Amcham), com o acordo recém-aprovado o Brasil agora pode evoluir para a assinatura de outros acordos, como o do Fatca – que já está em negociação entre os governos do Brasil e dos EUA. “O acordo de troca de informações é uma forma concreta de aumentar a transparência nas transações internacionais e reduzir o fluxo ilegal de capitais que alimenta o narcotráfico, o contrabando de armas e o terrorismo internacional”, afirma.

Acordo de troca de informações tributárias/aduaneiras entre Brasil e EUA é aprovado pelo Senado

Senado aprova troca de informações tributárias entre Brasil e EUA

BRASÍLIA – O Senado aprovou nesta quinta-feira um acordo entre Brasil e Estados Unidos para facilitar o intercâmbio de informações tributárias. O documento já havia sido assinado pelos dois países, mas precisava passar pelo crivo do Congresso Nacional para entrar em vigor. O texto segue agora para sanção presidencial.

Este é o primeiro acordo deste tipo aprovado pelo Brasil e inspira-se em modelo produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) após a crise internacional de 2008. O objetivo é combater o crime organizado, a lavagem de dinheiro e a evasão fiscal. De acordo com o relator, Jorge Viana (PT-AC), o decreto resguarda os direitos e as garantias do contribuinte. 

“As garantias estabelecidas no acordo afastam possíveis afrontas ao nosso ordenamento e aos direitos dos contribuintes. De um lado, eventual arbítrio da burocracia fiscal brasileira ao interpretar essas garantias poderia ser objeto de questionamento em juízo; de outro, penso que não se deve partir da convicção de que a burocracia fiscal abusará de suas atribuições”, afirma o senador em seu parecer.

E agora? O que está coberto pelo sigilo do artigo 198 do CTN?

PGFN e tributaristas discordam sobre dados sigilosos

Por Marcos de Vasconcellos

No último dia 19, foi publicada no site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional notícia sobre a sua vitória em recurso no Superior Tribunal de Justiça. Na nota divulgada, consta o nome da empresa, o valor devido e o parcelamento realizado, assim como andamento do processo. O processo corria em segredo de justiça, a pedido da própria PGFN.

O caso teve grande repercussão nacional, uma vez que se tratava de empresa que parcelou a dívida de R$ 270 milhões em pagamentos mensais de R$ 200. Ao fim do processo, noticiado também pela revista Consultor Jurídico, houve divulgação por diversos meios. O próprio STJ, por exemplo, divulgou nota sobre o caso, sem, porém, citar o nome da empresa envolvida.

Questionada sobre os motivos de ter divulgado tanto o nome da companhia como valores negociados e informações sobre o processo que corria em segredo, a assessoria de imprensa da PGFN respondeu que o sigilo “diz respeito somente ao acesso aos autos processuais. As informações que foram divulgadas pela PGFN em nota à imprensa no último dia 19 não são cobertas por nenhuma espécie de sigilo”.

Para a advogada tributarista Mary Elbe, a decisão não poderia ser divulgada por dois motivos: o sigilo fiscal e o sigilo processual. Segundo a advogada, o artigo 198 do Código Tributário Nacional permite apenas a divulgação de nomes de pessoas e empresas em representações fiscais para fins penais, inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública ou parcelamento ou moratória. Ela afirma que valores da dívida e de parcelamentos não podem ser divulgados. Já sobre o sigilo processual, Mary Elbe diz que a PGFN descumpriu uma ordem do STJ ao divulgar dados do processo protegido.

A procuradoria afirma que o artigo 198 do CTN não faz restrições ao que pode ser divulgado, mas, simplesmente permite a divulgação de dados. Nesse caso, como se tratava de um parcelamento, isso pôde ser feito. Quanto a ter infringido uma ordem do STJ, o órgão afirma que, ao fim do processo, finda-se também o sigilo.

O advogado tributarista Allan Marques, membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário afirma que “há tempos a procuradoria adota atitudes um pouco agressivas em relação a divulgação de dados de devedores”. Ele argumenta que é vedada a divulgação de dados pela Fazenda Pública ou por seus órgãos e que, ao divulgar valores, a PGFN comete uma infração ao CTN.