Apesar de protecionista, Brasil reclama do protecionismo alheio

Brasil volta a ser acusado de protecionismo na OMC por redução de IPI

GENEBRA – O Brasil foi novamente acusado na Organização Mundial do Comércio (OMC) de violar regras internacionais ao tratar de beneficiar os fabricantes domésticos de veículos com o novo regime automotivo.

A União Europeia declarou estar “crescentemente inquieta” sobre a utilização do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para proteger montadoras que produzem e investem no país e penalizar quem apenas importa veículos. Bruxelas diz temer que a medida seja replicada para outros setores da economia no Brasil, aumentando o protecionismo no mercado brasileiro.

Também no Comitê de Bens da OMC, no qual periodicamente os países levantam problemas nos mercados dos parceiros, o Japão reclamou de novo que a medida do IPI foi desenhada para beneficiar o construtor automotivo doméstico e considerou que isso viola várias regras da OMC.

Estados Unidos, China, Coreia do Sul, Austrália, Canadá, Taiwan e Hong Kong também declararam estar preocupados com a medida, mas nenhum sinalizou que poderia questioná-la diante dos juízes da OMC – algo que é feito quando o país se julga diretamente afetado por ação de parceiros.

A posição dos governos na OMC contrasta com a reação de setores da indústria. Recentemente, o presidente do grupo Renault-Nissan, Carlos Ghosn, considerou “muito positivo” o novo regime automotivo estabelecido pelo governo brasileiro. Ghosn disse que o Brasil é cada vez mais importante e já se tornou o segundo maior mercado da Renault, após a França. Por suas estimativas, o Brasil será em breve o terceiro maior mercado automotivo do mundo, superando o Japão e ficando atrás somente da China e dos EUA. Disse também que a montadora continuará investindo no país.

A delegação brasileira na OMC reiterou nesta segunda-feira que o IPI diferenciado no setor automotivo visa “apenas encorajar desenvolvimento técnico, melhorar os padrões ambientais e a qualidade dos carros no Brasil”. Afirmou também que os incentivos, para pagar IPI menor, dependem de eficiência energética dos veículos e que as medidas estão em linha com as regras da OMC. Repetiu que o país está aberto a discutir com as nações interessadas.

Na mesma reunião, a Austrália apresentou documento de 23 delegações, incluindo o Brasil, pedindo para a Ucrânia retirar seu pedido para aumentar 371 tarifas, o que significa ter de negociar com todos os países que se sentirem prejudicados.

No caso do Brasil, as exportações de carnes, por exemplo, seriam particularmente afetadas. Pelos cálculos brasileiros, a ação ucraniana cobre US$ 4,6 bilhões de comércio total por ano. Os ucranianos reagiram insistindo que não fazem protecionismo e sim exercem seu direito de renegociar o percentual das tarifas.

 

Protecionismo é moda no mundo

Ucrânia surpreende OMC e quer barrar 350 produtos

A Ucrânia informou à Organização Mundial do Comércio (OMC) que vai elevar as tarifas de importação de mais de 350 produtos além do que é permitido pelos acordos internacionais, na maior ilustração da tendência protecionista que se propaga no mundo.

O Brasil, que recentemente anunciou alta de tarifas de cem produtos, será um dos afetados. A Ucrânia é seu principal mercado para as exportações de carne suína, por exemplo. Suas exportações de carnes e de dezenas de manufaturados deverão ser submetidas a alíquotas mais elevadas para entrar no mercado ucraniano.

Mas a situação é diferente entre a ação dos dois países. Ainda que tenha desagradado aos parceiros comerciais, o Brasil elevou tarifas dentro do limite da OMC.

Já a Ucrânia quer romper o limite permitido de suas alíquotas máximas, para ampliar a proteção a seus setores agrícola e industrial. Isso exige uma negociação chamada de “reconsolidação tarifária” no jargão comercial. Mas o normal é um país ir à OMC querendo mudar o teto de uma ou duas tarifas para proteger determinado setor. Esse país sobe a alíquota acima do permitido, e em contrapartida compensa o país exportador com baixa de tarifa de outro produto.

No caso da Ucrânia, as tarifas de importação são baixas e variam de zero a 20%. E o documento que o governo ucraniano levou aos outros 156 membros da OMC, em caráter restrito, surpreendeu pela sua abrangência. São mais de 350 linhas tarifárias, volume tão grande que os parceiros se indagam como o país vai compensar com baixa tarifária em outros produtos.

O governo ucraniano não diz em quanto vai subir as alíquotas. Cobrado, insiste que só dará essa informação na negociação bilateral com os principais parceiros.

Já há um bom tempo a imprensa local falava da demanda de setores da economia para o governo elevar a proteção contra a concorrência estrangeira. A pressão é particularmente forte contra a entrada de carros estrangeiros.

Há ainda um incômodo porque a entrada da Ucrânia na OMC é recente. Ocorreu em 2008, após longas negociações sobre o nível de abertura de seu mercado. Agora, “os ucranianos podem alterar completamente o equilíbrio dos compromissos”, diz um delegado.

A ação ucraniana leva os EUA a agir junto com o Brasil, por exemplo, com os dois deixando de lado seus próprios atritos comerciais por causa de elevação tarifária.

“Estamos preocupados, em parte porque a ação da Ucrânia afeta exportações brasileiras, sobretudo na área agrícola, e também pela quantidade de linhas tarifárias apresentadas”, disse o embaixador brasileiro na OMC, Roberto Azevedo. “Isso é um risco grave para o sistema multilateral de comércio.”

O embaixador americano na OMC, Michael Punke, chamou a atenção para o estrago ao sistema multilateral se outros países copiarem o exemplo ucraniano.

Brasil, EUA e outras delegações estão discutindo sobre como reagir. Os países têm 90 dias para dizer aos ucranianos o que querem como compensação pela elevação tarifária sobre os seus produtos.

Mas o caso tem dimensão bem mais ampla. Ocorre em meio à degradação da economia internacional e com as exportações e importações globais caindo mais que o previsto. A OMC reviu de 3,7% para 2,5% a expansão do comércio neste ano, uma das piores taxas.