Minha posição quanto a PEC 37

Minha posição frente a PEC 37

A mídia vem, por força da influência dos inúmeros assessores de imprensa envolvidos, bombardeando o público com informações e posições a respeito da Proposta de Emenda Constitucional nº 37, que visa tornar como de competência exclusiva da Polícia Federal “a apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo (…)”.

Em suma, para não ficarmos aqui tratando da questão com o juridiquês, os respectivos parágrafos tratam de infrações penais de caráter federal, ou seja, o Ministério Público Federal deixaria de ter o seu papel de investigador e passaria a assumir, unicamente, sua função de parte acusatória no processo penal.

De igual modo, a Receita Federal do Brasil, bem como o Banco Central, deixariam de lado as suas atuações investigativas, e exerceriam tão somente as funções para as quais foram criados.

Minha posição, adianto, é favorável à referida PEC, e explicarei o porque contando uma história que se passou no ano de 2011.

Uma empresa do ramo de comércio exterior, por ter inovado e dado uma feição profissional a um ramo tratado de forma amadora pelos demais, alcançou, de forma rápida, o posto de principal empresa do Brasil no seu ramo específico de atuação.

Todavia, um crime, que em nada se relaciona ao comércio exterior, ocorreu em um Estado estranho àquele no qual atuava a referida empresa, e por ter entre seus envolvidos um estrangeiro, e possuir indícios, além de tudo, de crime de lavagem de dinheiro, passou a investigação para a competência da Polícia Federal local.

Esta Polícia Federal, ao se deparar com a questão, e tomando conhecimento que a suposta quadrilha havia atuado no comércio exterior, solicitou alguns esclarecimentos à Receita Federal do Brasil para elucidar melhor o funcionamento daquilo, bem como indicar se existiam indícios de crime nos fatos observados.

A Receita Federal, como lhe sempre foi permitido, passou a realizar uma devassa não somente na empresa da quadrilha, mas em todas as demais que atuavam no mesmo ramo, dentre elas a empresa citada no começo desta história.

Com base em um entendimento estapafúrdio e que beira o absurdo, acusou a todos, não só aos inicialmente investigados, de contrabando.

Ora, o crime de contrabando é um crime grave, que consiste em fazer entrar no país um bem que tem a sua importação proibida.

O detalhe, aqui, que merece destaque, é que a proibição que a Receita Federal encontrou não estava na legislação brasileira, e sim na legislação estrangeira, o que faz parte do que conceituei acima como ridículo.

Pois bem. Vale, aqui, fazer uma breve pausa, e explicar parte da inteligência da Receita Federal do Brasil que é, diga-se, talvez o mais competente e preparado órgão tributário do mundo.

A Receita Federal do Brasil divide o país em regiões fiscais, e cada uma dessas regiões recebe uma Superintendência que toma conta daquele território. Dentro de cada uma dessas Superintendências existe um escritório denominado ESPEI – Escritório de Pesquisa e Investigação, que nada mais é senão o órgão da inteligência da Receita Federal do Brasil.

E foi a partir do referido órgão que foi criada a tese ABSURDA de contrabando, que envolveu inclusive aquela empresa citada no começo. Esse envolvimento teve as suas consequências, inclusive com a realização de uma daquelas megaoperações da Polícia Federal, que nada mais fez senão seguir a orientação repassada pela Receita Federal.

Fato contínuo, a mesma Receita Federal que investigou o suposto contrabando (que futuramente foi comprovado como inexistente), aplicou inúmeros autos de infração contra a referida empresa, tudo com base na mesma tese de importação de mercadoria proibida.

A primeira falta de coerência que salta aos olhos, na narrativa acima, é a seguinte: como pode o órgão fiscalizador realizar a acusação? O órgão responsável pela fiscalização tributária/aduaneira deveria somente esclarecer, de forma breve e pontual, as dúvidas da Polícia Federal, todavia, por existir a possibilidade dela, Receita Federal, atuar na fiscalização penal, acabou por aprofundar suas pesquisas e “ver cabelo em casca de ovo”.

De igual modo, o Ministério Público possui o seu papel, elogiável, diga-se, na atuação delimitada pelo artigo 129 da Constituição Federal, que de forma clara aponta que o MP tem as funções institucionais de “promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”, “exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior” e “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais” (dentre outros).

Ou seja, como poderia o Ministério Público atuar com imparcialidade na promoção da ação penal, quando ele mesmo realizou toda a investigação e, a seu ver, se deparou com evidências da ocorrência de um crime?

De igual modo, a Receita Federal, vinculada ao Ministério da Fazenda, tem delimitada a sua atuação no comércio exterior nos termos do artigo 237 da Constituição, que afirma: “A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda”.

Não é da competência, nem da função institucional, seja do Ministério Público, ou da Receita Federal, a investigação policial. Esta tem que ser exclusiva da Polícia Federal, que é um órgão que foi criada para tal função.

À Receita Federal cumpre realizar a defesa e buscar os interesses fazendários, ao Ministério Público cumpre, dentre outras funções, promover a ação penal, e ao Banco Central do Brasil cumpre atuar promovendo o interesse monetário, o controle regulatório do mercado financeiro brasileiro, dentre outros. A nenhum deles, todavia, compete a investigação criminal.

O grande problema da falta de imparcialidade é que o ser imparcial observa o objeto com um juízo de valor a tempos formado. Vale dizer que esse juízo de valor é de uma rigidez tão absurda, que talvez nenhum novo fato possa modifica-lo.

Digo isto porque o Auditor Fiscal, sempre que se deparar com algo que fuja à normalidade, vai observar a situação querendo apontar a existência de sonegação, de descaminho, de contrabando.

Já o Policial Federal, tem por dever observar a imparcialidade, sob pena de macular  a investigação policial e torna-la nula. Como obrigar o fiscal a ser imparcial? Não vejo ser possível.

Na seara aduaneira, a grande questão que se observa, por exemplo, é o julgamento do processo administrativo para aplicação de pena de perdimento, que se dá em instância única, e por um auditor superior ao que lavrou o auto de infração. Quem acredita numa virada num processo com tal trâmite?

E a derrota no processo de perdimento acarreta, de forma automática, no envio de uma representação fiscal para fins penais ao Ministério Público Federal, que já receberá a informação com a faca nos dentes, pretenso a ajuizar a ação e botar o contribuinte, que nesse momento já é tratado como criminoso, atrás das grades.

A representação deveria ser encaminhada à Polícia, para uma investigação pormenorizada dos acontecimentos, porém para tanto precisamos de uma reforma de maior calibre.

Quanto à empresa acima citada, ela vem se reerguendo, mas passados dois anos do ocorrido, ela não está correndo com a mesma velocidade de antes, infelizmente, por conta das sequelas deixadas por um dos ESPEI da Receita Federal espalhados pelo Brasil.

No mais, sou a favor da PEC 37.

Luciano Bushatsky Andrade de Alencar

Advogado atuante no Direito Tributário e no Direito Aduaneiro.

“Despachantes e comissárias precisam ser valorizados”

Despachantes e comissárias precisam ser valorizados
por Luiz Fernando Antônio  (PortoGente)

É fácil notar que os despachantes aduaneiros e as comissárias de despacho vêm tendo a imagem desgastada e desprestigiada. Importadores e exportadores têm buscado reduções de custos de forma extremamente amadora. Lamentavelmente, existe falta de profissionais, na área de comércio exterior, com experiência no mercado.

Durante minha passagem pelo Governo, observei quantos erros são promovidos porque muitas empresas não têm conhecimento técnico e buscam redução de custos na mão de obra, contratando pessoas inexperientes para fazer um trabalho que envolve, na maior parte das vezes, altos valores e exige grande responsabilidade.

Principalmente no Departamento de Operações de Comércio Exterior (Decex), era comum ver as empresas serem prejudicadas nos seus processos de importação, exportação, drawback, pleitos de ex-tarifário ou de antidumping por falta de cumprimento de normas simples. Quando as cobranças e penalidades surgiam, invariavelmente a resposta da diretoria da empresa era “foi culpa do despachante”.

Como em toda atividade profissional, existem empresas sérias e competentes e outras que acreditam que oferecendo preços atrativos, muitas vezes abaixo dos seus custos, poderão competir no mercado. Estas últimas normalmente não sobrevivem por muito tempo ou têm outras fontes de renda que mantêm a atividade principal, desvirtuando o processo junto às autoridades e gerando prejuízos para seus clientes.

As associações de classe precisam fazer um trabalho para reformular a imagem do despachante aduaneiro e das comissárias de despacho, divulgando e mostrando a importância das atividades para o mercado de logistica e comércio exterior, através de um trabalho técnico de comunicação.

É importante também mencionar que as funções das comissárias e dos despachantes não são uma invenção nacional, como maldosamente tem sido informado às autoridades. Estas categorias existem em todos os países. A diferença é que em outros países existe um grau de respeitabilidade das empresas com estes operadores e, também, estas atividades são exclusivas para as empresas nacionais.

Delfim Netto expõe sua opinião sobre a Guerra Fiscal

Verdades sobre a guerra fiscal

É preciso reconhecer que nos últimos 30 anos a política de desenvolvimento regional do governo federal produziu resultados pífios. Para ilustrar esse fato, basta observar a baixíssima proporção da renda per capita do Nordeste na comparação com a renda per capita nacional. Hoje, é de apenas 46%.

A virtual retirada da União da promoção do desenvolvimento regional, combinada à redução de recursos fiscais disponíveis, abriu espaço (na realidade, compeliu) os Estados a assumirem a iniciativa de atrair novos investimentos aos seus territórios e, assim, tentar alterar as suas condições de competitividade. Para isso, o instrumento privilegiado (talvez mesmo o único) que os Estados detêm é a concessão de incentivos de ICMS.

Espremidos entre o reclamo de progresso da população que os elegeu, de um lado, e a virtual impossibilidade de aprovação de incentivos no Confaz, de outro, os governadores optaram de forma generalizada pelo primeiro.

A principal crítica à prática de incentivos fiscais pelos Estados, apelidada com o nome aterrorizante de “guerra fiscal” na literatura da década de 90 (“competição fiscal” seria o termo mais adequado), focou, corretamente, na possibilidade de que, levada ao extremo, ela provocaria o desarranjo da finança pública federal, prejudicando assim toda a população brasileira.

A crítica, então procedente, ficou superada com o advento da liquidação dos sistemas financeiros estaduais e da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2001, potentes instrumentos de prevenção de atos irresponsáveis por parte dos gestores públicos. Não por acaso, desde 2001, Estados e municípios nunca mais deixaram de registrar superávits primários em suas contas fiscais.

Outra frequente observação maliciosa é a da concorrência desleal. Ao conceder incentivos, um Estado estaria criando condições favorecidas em detrimento de outros. Esse raciocínio pressupõe que todos Estados estavam inicialmente em condições iguais, e que foi a concessão do incentivo que desequilibrou a equação a seu favor e em prejuízo dos demais. Ora, no caso brasileiro a premissa não é verdadeira, pois, como se sabe, havia e há fortes e persistentes desequilíbrios regionais. Quando o incentivo é concedido por um Estado menos desenvolvido, ele está, geralmente, tentando restabelecer o equilíbrio socioeconômico regional, e não o contrário.

No caso específico do ICMS, discussões recorrentes têm focado a tributação do comércio interestadual, para o qual o Senado Federal definiu um engenhoso sistema de repartição de receitas entre os Estados de origem e destino, com duas alíquotas (de 12% e 7%), dependendo do sentido do fluxo desse comércio.

Ao privilegiar, de forma simples e automática os Estados menos desenvolvidos (concedendo ao fluxo originário desses Estados uma alíquota mais alta), esse sistema constituiu na realidade um instrumento bastante conveniente de desenvolvimento regional. Assim, ao propor mudanças no sistema tributário, é preciso atentar para esse fato singelo e cuidar para não desmontá-lo, sem substituí-lo por outro que atenda ao mesmo objetivo.

Convém coibir potenciais abusos, colocando-se limites bem definidos ao poder de concessão de incentivos. Essa é mais uma razão para uma conveniente regulamentação da matéria, que, por muito atrasada, está a reclamar urgência. Há evidências empíricas suficientes a mostrar os efeitos positivos da política de incentivos para as regiões menos desenvolvidas.

Até os mais ferrenhos críticos dos incentivos estaduais admitem que eles promoveram alguma desconcentração da atividade econômica ao longo do território nacional, processo que deve ser do interesse de todos e merece ter continuidade. A grande questão é como fazê-lo de modo a reduzir os conflitos atuais, retirando-os do Judiciário para o campo de um grande acordo político.

Para acabar com a chamada “guerra fiscal” não basta simplesmente retirar dos Estados a capacidade de conceder incentivos, como pretendem algumas propostas atualmente em debate, sob pena de produzirmos tão somente um aumento de carga tributária e reconcentração do desenvolvimento econômico – o que seria um lamentável retrocesso.

É preciso, também, garantir a restauração de uma verdadeira política de desenvolvimento orientada para a redução das disparidades entre as regiões. E isso requer um modelo novo de cooperação federativa: não há nenhuma razão para que tal política seja monopólio da União. Ao contrário, uma boa política de desenvolvimento regional não pode prescindir da participação ativa de todos os entes federados, articulados e coordenados pelo governo federal.

Um aspecto pouco explorado nessa discussão é que não é possível, numa verdadeira federação, retirar todo o poder de tributar de suas unidades, e que não há motivo para impor uniformidade, a não ser nas relações entre elas. Por que razão um Estado ou um município bem administrado, que cuida adequadamente de seus habitantes, não pode tributar menos, ou usar seus recursos dando “subsídio” à instalação de novos investimentos? É isso o que ocorre em federações bem-sucedidas. O processo de competição não é eficiente apenas para os mercados. Seria muito bom poder aplicá-lo também aos entes federados.

Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

Artigo: “Restringir importações: má ideia”

Restringir importações: má ideia

Por Pedro Ferreira e Renato Fragelli

Nos últimos anos, o Brasil vem assumindo uma postura francamente hostil ao comércio exterior, coibindo a concorrência dos produtos importados. Pouco a pouco as reformas liberalizantes dos anos 1990 vão sendo revertidas. O recente aumento das tarifas de importação de 100 produtos constitui somente mais um passo nessa direção. O Brasil é hoje um dos países que mais aplica medidas antidumping no mundo, instrumento que deveria se restringir aos produtos que recebem subsídios ilegais em seus países de origem. Não se pode esquecer que a tarifa média brasileira, cerca de 12% antes do recente aumento, é muito superior à média mundial.

Ao somar todas as taxas e tributos incidentes sobre importados, conclui-se que o Brasil está entre os países mais fechados do mundo. O resultado se reflete em baixo volume de comércio exterior.

A restrição aos produtos importados é uma péssima política de longo prazo para a economia brasileira, embora a curto prazo seja ótima para os acionistas e trabalhadores dos setores protegidos. Não há muita controvérsia entre os economistas a respeito das implicações sobre a perda de bem-estar para a sociedade das restrições ao comércio exterior: elas encarecem produtos e restringem as escolhas dos indivíduos. E em relação ao crescimento e produtividade da economia?

Há argumentos suficientes e evidência estatística abundante de que abertura comercial eleva a produtividade

O argumento de que a proteção aumentará a competitividade dos setores protegidos não faz qualquer sentido quando por “competitividade” entende-se produtividade. Ao contrário, há argumentos suficientes – e evidência estatística abundante – de que abertura comercial eleva a produtividade e a eficiência da economia. A vantagem conquistada no presente por meio de barreiras ao comércio implica perda de produtividade no médio e até no curto prazo.

Os argumentos são muitos. Como estaria a China sem insumos de produção importados? Como a produtividade do campo neste país é muito baixa e a oferta doméstica de minerais muito limitada, uma parcela muito grande da força de trabalho teria que permanecer na região rural para suprir o mercado local com estes produtos. Assim, haveria escassez de trabalhadores para a indústria que, além disto, pagaria mais caro pelas matérias-primas chinesas do que paga hoje pelas importadas. Em artigo ainda em preparação, Pedro Ferreira e Marcelo Santos calculam, por meio de simulações computacionais, que o produto por trabalhador chinês cairia a menos da metade do valor atual, caso se impusessem restrições drásticas às importações. Obviamente trata-se de um argumento por absurdo. Mas o ponto relevante é que a importação de bens em cuja produção a China revela-se pouco produtiva permite uma melhor alocação de recursos e uma especialização em setores onde sua eficiência é muito alta, aumentando a produtividade de toda a economia.

Um segundo argumento é que o protecionismo exacerbado revela-se particularmente deletério ao crescimento quando atinge a importação de bens de capital. A importação de máquinas, equipamentos e produtos intermediários – alvo de grande parte das últimas medidas protecionistas – constitui um importante veículo de absorção de tecnologia de ponta embutida nesses produtos. Diante do encarecimento dos bens de capital e bens intermediários, as firmas nacionais vêm-se compelidas a adotar tecnologias menos avançadas, o que reduz a eficiência da produção local e aumenta seu preço. O encarecimento de bens de capital e bens intermediários propaga ineficiências mais intensamente que restrições à importação de bens finais de consumo, pois afeta não apenas diretamente como também indiretamente os setores que os utilizam como insumos em alguma etapa do processo produtivo.

Finalmente, a pressão da concorrência de importados induz as firmas domésticas a promover melhorias de produtividade e gestão para sobreviverem ou manterem participação no mercado. Afinal, a adoção de tecnologias e novas técnicas de gestão envolve custos e riscos que podem ser evitados na ausência de concorrência. Ademais, a entrada de importados no mercado doméstico reduz o poder de monopólio das firmas locais e portanto seus preços. Isto não só induz a melhorias de produtividade como beneficia os consumidores.

Os produtores nacionais têm razão quando reclamam da péssima infraestrutura e de uma estrutura tributária excessivamente burocrática e distorcida, fatores que reduzem a produtividade e aumentam o custo de se produzir no país. Números da pesquisa “Ease of Doing Business” do Banco Mundial, que mede e compara ambiente de negócios no mundo todo, mostram que o tempo gasto com pagamento de impostos no Brasil é cerca de sete vezes maior que a média da América Latina e 14 vezes maior que na OECD. O total de impostos e contribuições sobre salários como proporção dos lucros é mais que o dobro que a média da América Latina.

Entretanto, e como já se enfatizou algumas vezes neste espaço, a solução para uma distorção não deve ser a imposição de uma segunda distorção. A proteção aos setores menos produtivos reduz a eficiência e competitividade do país. A maior proteção contra a competição de importados mantém inalterado o problema original e adiciona um novo. A proteção excessiva beneficia temporariamente um grupo limitado de setores e firmas, mas prejudica não só os consumidores brasileiros mas a economia como um todo no longo prazo.

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores do pós graduação da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (EPGE-FGV)

Considerações a respeito da importação paralela

As importações paralelas no Brasil

Por José André Beretta Filho | Valor Econômico
As importações paralelas são um tema ainda pouco trabalhado pelo direito brasileiro, que em boa dose é abordado pela ótica da propriedade industrial, indicando uma tendência à proibição desse tipo de operação. Dada vênia, a matéria é mais ampla em seu alcance, exigindo maiores cuidados, sobretudo quando afirmações feitas procurando ser validadas em decisões judiciais. Explico-me, então, tomando por base um caso de importação de um produto recondicionado para venda posterior no território brasileiro, o que foi objeto de decisão recente dos tribunais.

Esse exemplo não é adequado para ser considerado como um “leading case” e nem a ser usado num debate mais abrangente sobre as importações paralelas porque: o produto que se importava, ao que consta, era usado, o que por si só leva ao questionamento da legalidade de sua importação e, como produto recondicionado, dependendo de como o recondicionamento foi feito, ele não é produto original em suas características e a importação paralela trata de iguais.

Em segundo lugar, a mera comercialização de produtos recondicionados não é violação de direitos industriais de per se. Ela somente o é se houver uso não autorizado da marca ou de infração a patente ou correlacionados, o que não é o caso.

Se a vedação fosse de per toda a cadeia de revenda de produtos, nacionais ou importados, para poder fazer a comercialização deles produto teria que ter autorização dos titulares das marcas.

A discussão da ilicitude da importação a partir do recondicionamento do produto, a par das questões atinentes às normas de importações, em geral restritivas a bens usados, somente é cabível se o produto recondicionado não for devidamente identificado como tal, pois isso fere o Código do Consumidor (procedência falsa, não cobertura de garantia etc.), não tornando a importação paralela ilícita em si. Aliás, seria interessante que fosse analisada a prática do “refurbishment”, mediante o qual inúmeros produtos recolhidos pelos fabricantes originais, por exemplo, via substituições em garantia, são recondicionados e retornam ao comércio em novas operações de vendas. Esses produtos estão devidamente identificados para o consumidor, ainda que tenham toda a garantia do fabricante?

A discussão não pode ocorrer apenas a partir de questões ligadas à propriedade industrial

Em quarto lugar, a afirmação da negativa à importação paralela é vista pelo direito econômico como via para limitação da atividade empresarial, na medida em que a oferta de determinado produto num mercado fica limitado por interesses do fabricante e sua rede (autorizados, credenciados etc.) e que podem não ser juridicamente aceitáveis, por exemplo, quando há o impedimento do acesso local ao bem por mera estratégia comercial (e.g.: a impossibilidade de venda, no Brasil, de equipamentos já comercializados em outros países). Há inúmeros estudos que mostram que essa é uma forma de dominação de mercados, estando a discussão presente em inúmeros países, sendo bem difundida na doutrina.

Em quinto lugar, não é raro que as importações sejam feitas junto a exportadores que, em seus respectivos países, não estão sujeitos a restrições de reexportação por parte do detentor da marca (seja enquanto licenciados diretos ou porque são empresários independentes), com o que não haveria como o detentor da marca alegar que aquele produto está entrando num outro mercado sem seu controle ou por indevida exportação. De fato, o que pode haver é uma reação dos licenciados locais contra o licenciador na medida em que este acaba por permitir a concorrência intramarca, o que não é ilegal e nem vedado pela legislação da propriedade industrial e, por vezes, muito interessante do ponto de vista do direito econômico.

Nessa linha, a discussão das importações paralelas não pode ser trabalhada apenas a partir de questões ligadas à propriedade industrial, devendo levar em conta a sua lógica e eficiências para o mercado, a partir de considerações do direito econômico, abrangendo aspectos de propriedade industrial, interesses do consumidor (por exemplo: efetividade de garantia ao produto) e outras que permitam identificar se, via importação paralela, há limitação válida ou não à atividade econômica ainda que presentes direitos industriais, transcendendo essa discussão ao liberalismo pleno que existe ao se adotar apenas o ângulo da propriedade industrial.

José André Beretta Filho é advogado da Advocacia Muzzi

 

Artigo: “Minha mercadoria está retida, e agora?”

“Minha mercadoria está retida, e agora?”

A Receita Federal do Brasil é o órgão responsável pelo controle e pela fiscalização aduaneira, possuindo poderes expressos outorgados pela Constituição Federal de 1988 ao Ministério da Fazenda (artigo 237 da Constituição).

Para os que trabalham com comércio exterior tal fato não é novidade, haja vista que já devem ter passado por alguns entreveros junto à Alfândega, seja por questionamentos a respeito da mercadoria, seja por análises pormenorizadas da operação de importação, por conta de parametrização aduaneiro no Canal Amarelo, ou no Canal Vermelho.

Todavia, foi exaustivamente noticiada a “Operação Maré Vermelha”, com o intuito de tornar mais rígida a fiscalização aduaneira, com vistas a aumentar a arrecadação e coibir os atos fraudulentos praticados por alguns importadores/exportadores.

E esta “Operação” aumentou, de forma significante, o número de retenções de mercadorias para questionamentos. Deve ser salientado que são retenções de mercadorias parametrizadas para os diversos canais de conferência, e os questionamentos surgem a partir de exigências inseridas no Siscomex para pronta resposta do importador/exportador.

O que ocorre, todavia, é que o importador, no desejo de ver a sua mercadoria imediatamente liberada, haja vista possuir a necessidade de revendê-la, ou utilizá-la, entrega todas as informações e documentos exigidos pelo Auditor-Fiscal de forma imediata, sem que realize um filtro do que deve, ou não, ser entregue.

Na exacerbada maioria das vezes há a liberação do bem importado, sem maiores problemas, porém, caso dos documentos entregues, sobressalte aos olhos do Fiscal qualquer suspeita acerca da regularidade da importação, será dever da Autoridade Aduaneira iniciar o temido Procedimento Especial de Fiscalização Aduaneira.

E, por incrível que pareça, reafirmando o que foi dito acima, o Procedimento é iniciado por conta de alguma informação fornecida pelo próprio importador, que na pressa, entrega tudo o que o é solicitado.

A obrigação na entrega do documento não existe, principalmente se o documento puder, de alguma forma, prejudicar o importador.

Aplica-se, aqui, o artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal, que garante ao cidadão o direito a permanecer calado. Ou seja, poderá o contribuinte negar-se a entregar determinados documentos, desde que fundamente o porque da não entrega, haja vista a possibilidade da Autoridade Aduaneira impor-lhe sanção pecuniária por “causar embaraço à fiscalização aduaneira”.

Tal multa é uma bestialidade jurídica, porém não será objeto de maiores digressões no presente artigo.

O que se pretende aqui expor é a respeito da necessidade de um filtro, com o objetivo único de analisar item por item do que foi solicitado na exigência posta pelo Auditor, possibilitando a decisão pela entrega, ou não, impossibilitando a abertura de um procedimento de fiscalização aduaneira.

Vale salientar que mais vale esperar mais 01 (um) dia pela liberação da mercadoria, possibilitando a análise das exigências, do que entregar tudo para a Autoridade Aduaneira, e acabar se deparando com a abertura de um procedimento especial de fiscalização aduaneira, que tem como prazo para término o seguinte: 90 (noventa) dias, renovável por igual período.

Isso, obviamente, caso a situação não torne-se pior, onde a Autoridade poderá alegar possível existência de interposição fraudulenta, dando início imediato ao procedimento especial para verificação da origem de recursos.

Em suma, importador, surgindo a exigência, tenha calma, respire, e filtre o que foi solicitado.

 

(Luciano Bushatsky Andrade de Alencar)

Por varas especializadas em comércio exterior

Tribunal especializado em comércio exterior

 Há no Brasil um processo gradual de judicialização dos temas de comércio exterior. De um lado, esse fenômeno é positivo, pois amplia o controle de legalidade dos atos do Poder Executivo em matéria de política comercial, sobretudo quando os meios de revisão pelo próprio Executivo se mostram insuficientes ou pouco transparentes. De outro lado, a crescente judicialização revela aspecto preocupante: a capacidade técnica muitas vezes deficitária do Poder Judiciário para lidar com complexas questões de comércio exterior, fato que pode resultar em decisões prejudiciais tanto para as empresas brasileiras e estrangeiras que atuam no país, quanto para o próprio governo. Como resposta para aprimorar o controle judicial das medidas de política comercial adotadas pelo Poder Executivo, o Brasil deveria criar varas federais especializadas em comércio exterior.

Desde 1947, o sistema multilateral de comércio requer a adoção de mecanismos judiciais para a revisão de atos do poder público relacionados ao comércio exterior. O Artigo X do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994, contém obrigação nesse sentido. O parágrafo 3 (b) do referido artigo afirma que cada parte deve manter tribunais ou procedimentos administrativos, arbitrais ou judiciais, para rever e corrigir, de forma imediata, atos administrativos relacionados a assuntos aduaneiros. Além disso, requer que tais tribunais ou procedimentos sejam independentes dos órgãos de governo responsáveis pela execução dos atos revistos e que suas decisões sejam obrigatórias. Assim, o acordo busca criar mecanismo que permita a revisão objetiva e imediata dos atos do poder público, bem como assegurar a neutralidade de tal processo. Cabe mencionar que a exigência de previsão de mecanismos judiciais não se limita ao GATT, mas também está presente em diversos outros acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC), como os que tratam de direitos antidumping, propriedade intelectual, serviços e subsídios e medidas compensatórias.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o requisito de revisão judicial foi implementado de forma ampla. Desde 1980, o país possui uma Corte de Comércio Internacional (CIT), com sede em Nova York e composta por nove juízes especializados em política comercial e direito da OMC.

O Brasil deveria criar varas federais especializadas em comércio exterior

A Corte possui jurisdição exclusiva sobre muitos dos principais temas do comércio exterior americano, incluindo: impostos, contribuições e taxas cobradas na importação; embargos e restrições quantitativas; defesa comercial (direitos antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas); classificação aduaneira de mercadorias; drawback; políticas compensatórias para setores afetados pela abertura comercial; entre outros. Qualquer empresa exportadora ou importadora, nacional ou estrangeira, com presença no país, pode iniciar ação civil contra os órgãos do governo dos Estados Unidos. Além disso, as decisões da CIT podem ser revisadas pela Corte de Apelação do Circuito Federal (CAFC) e, caso envolvam matéria constitucional, pela Suprema Corte. Na prática, a maior parte das ações iniciadas junto à CIT diz respeito à defesa comercial e à classificação aduaneira.

O Brasil também cumpre a obrigação de permitir o reexame judicial, em especial por meio da garantia constitucional de amplo acesso ao Poder Judiciário para toda e qualquer lesão ou ameaça a direito, assegurada pelo artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. No entanto, a tarefa fica a cargo de magistrados que, embora qualificados, nem sempre têm experiência suficiente em comércio internacional. Como conseqüência, o histórico do Judiciário brasileiro é contraditório. De um lado, há decisões de notória eficácia e qualidade técnica, como na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 101, proposta pelo Presidente da República em 2006 e deferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para por fim à disputa comercial com a União Européia, na OMC, em decorrência da proibição à importação de pneus remoldados. De outro lado, há decisões, principalmente de primeiro grau, pouco técnicas e confusas, que mantêm ou revertem importantes atos administrativos sem fundamentação adequada. Em casos extremos, encontram-se julgados que condenam a prática de “dumpring” (sic), que refazem cálculos técnicos elaborados pela autoridade administrativa de defesa comercial brasileira e, até mesmo, votos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que sustentam ser desnecessária a realização de investigação quando o dumping é “evidente”.

Nesse contexto, a criação de varas federais especializadas em comércio exterior teria efeito positivo significativo para assegurar o controle judicial eficaz e de qualidade da política comercial brasileira, trazendo ganhos tanto ao governo quanto ao setor privado. No caso do governo, as varas especializadas preservariam atos administrativos legais de elevada complexidade, funcionariam como instrumento para aperfeiçoar e chancelar a execução da política comercial e incentivariam decisões de caráter técnico. Já no caso do setor privado, elas garantiriam às empresas brasileiras e estrangeiras com operações no Brasil o direito de revisão judicial objetiva, independente e, sobretudo, especializada, dos atos do poder público relacionados ao comércio exterior.

Conforme comprova a experiência brasileira, o estabelecimento de varas especializadas contribui para o incremento na segurança jurídica, para a maior celeridade das decisões e para a redução do índice de reforma em segundo grau. Tais vantagens têm sido observadas a partir do funcionamento de varas em defesa do consumidor, meio ambiente, direito agrário, falência, previdência, propriedade intelectual, infância e juventude, violência doméstica contra a mulher, crimes contra o sistema financeiro, crime organizado e em diversas outras matérias.

Se o objetivo é caminhar rumo ao governo aberto e a uma política comercial condizente com as dimensões e aspirações do Brasil, a criação das varas federais especializadas em comércio exterior deve ser prioridade.

Abrão M. Árabe Neto e Diego Zancan Bonomo são, respectivamente, doutorando em direito internacional pela Universidade de São Paulo; diretor para políticas públicas da Seção Americana do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos (Cebeu), ligada a U.S. Chamber of Commerce, em Washington

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

A insegurança no comércio exterior

Para os que atuam na área aduaneira, a falta de legislação acerca do tema gera um clima de insegurança jurídica sem tamanho.

Tal afirmação não é novidade, e faz parte do dia-a-dia tanto do importador, quanto do exportador, e daqueles que assessoram os principais intervenientes no comércio exterior na realização de suas atividades, como despachantes, contadores, agentes de carga e, porque não, advogados.

Ora, a nossa grande lei, se é que podemos assim o definir, é o Regulamento Aduaneiro, que é, na verdade, um Decreto.

Se observadas as lições iniciais da cadeira de “Introdução ao Estudo do Direito”, um Decreto nada mais representa senão a regulamentação de um texto ou dispositivo legal, não podendo criar, mas tão somente balizar a aplicação de tal preceito.

Todavia, na seara aduaneira, por ocasião do artigo 237 da Constituição Federal, que assim afirma “a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda”, todo o preceito emanado dos entes públicos possui força de lei.

Um absurdo?

Com certeza.

Por tal fato, ainda, resta criado o cenário de insegurança constante. Afinal de contas, para a publicação de um Decreto, de uma Instrução Normativa, de uma Portaria, ou de uma Resolução, nada mais é necessário senão a sua publicação no Diário Oficial, não passando tais preceitos sequer pelo crivo dos representantes do povo que na Câmara dos Deputados se encontram.

Assim, mecanismos que deveriam ser usados de forma a assegurar aos operadores um cenário tranquilo e de estabilidade, na verdade são usados, quase sempre, contra as tendências do comércio exterior.

Em suma, se as importações de carro estão em alta, por parte dos importadores independentes, cria-se uma “legislação” dificultando a questão e, PASMEM, criando conceitos que sequer existem na legislação, de verdade, nacional.

Outro exemplo que pode ser exposto diz respeito a criação de exigências administrativas que nada mais significam senão barreiras não-tarifárias, que travam, de forma significativa, o comércio exterior.

Tais barreiras deveriam prescindir de legislação, a fim, pelo menos, de motivar a sua existência.

Mas não, nossos órgãos intervenientes criam as barreiras a fim de direcionar a forma que deve ser obedecida no comércio exterior brasileiro, forçando, por vezes, a interrupção da importação de determinados produtos em detrimento de outros.

Proteção à indústria nacional? Talvez.

Todavia, é uma forma de proteção que mais prejudica que protege, haja vista que nossa indústria só crescerá se deparada com concorrência.

Concorrência aqui, saudável, por óbvio. Não estamos aqui defendendo os que praticam dumpingtriangularizaçãosubfaturamento, e outros ilícitos que existem no comércio exterior.

Defendemos aqui o importador que atua nos conformes da legislação, e decidiu optar por realizar as suas atividades profissionais na área de comércio exterior, no lugar de atuar tão somente com compra e revenda de produtos nacionais.

O mundo, hoje, necessita do comércio internacional. É algo que não pode ser negado.

Isso é tão verdade que tudo o que acontece em determinado local, afeta diretamente as economias espalhadas pelo mundo.

Os países são interdependentes, assim como suas indústrias, e a criação de barreiras, que , no lugar de servir para o seu propósito real, direcionam o comércio exterior de determinado país, cria feridas incuráveis em sua estrutura.

Assim, ou criamos um plexo normativo que garanta segurança aos operadores de comércio exterior, ou descambaremos para a situação de insegurança ainda mais grave que a que vivemos hoje, com a criação de barreiras sem propósito, apenas como “proteção à indústria nacional”.

04.06.2012

Luciano Bushatsky Andrade de Alencar

Artigo de leitura obrigatória

Excelente artigo que retrata nada mais além da realidade vivida por aquelas que atuam na seara tributária/aduaneira.

Fisco age como se Constituição e leis não existissem

Por Raul Haidar – Revista CONJUR

Recentemente, numa escola pública, um aluno recusou-se a participar de uma oração coletiva, informando à professora que o seu direito de não orar estava previsto na Constituição. A professora não aceitou a explicação, alegando queessa lei não existe. Ao que parece não é só a professora que pensa assim.

O nosso fisco vem ignorando a CF e até mesmo leis de hierarquia inferior. Já se tornaram comuns atos administrativos emanados do Poder Executivo pretendendo criar obrigações acessórias a serem cumpridas pelos contribuintes, quase sempre tentando impor-lhes sanções pesadas ante o não cumprimento.

Um exemplo recente disso é o estabelecimento de restrições à emissão de nota fiscal eletrônica pelos estados e municípios quando supostas irregularidades forem atribuídas aos emitentes ou mesmo aos destinatários.

No município de São Paulo criou-se uma tal Instrução Normativa, cujo nome pomposo não lhe empresta qualquer legitimidade, por se tratar de ato nulo, que contraria várias súmulas do STF e mais de uma norma do artigo 5º da Constituição Federal. Talvez o rótulo — Instrução Normativa — seja bonitinho, mas o produto é uma porcaria administrativa de nenhum valor, elaborada por burocratas jejunos em questão de direito. Se algum dos pais desse ato for versado em Direito, pior fica, pois não lhe favorece a atenuante da ignorância.

Em matéria tributária o que está ruim sempre pode piorar. No Estado fizeram uma tal Portaria CAT-161 e depois um comunicado CAT 05, ambos com suposta base num Ajuste Sinief 10/2011. Vê-se que não se fala em LEI. Pensa esse pessoal que a Assembleia Legislativa serve apenas para dar nome a viadutos e estradas ou então conceder títulos honoríficos, homenagear a festa da pamonha ou coisas dessa relevância.

Ainda que alguns servidores fazendários não gostem, estamos num estado democrático de direito. Isso implica em obediência à Constituição Federal, cujo preâmbulo diz que o nosso estado democrático é “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança… a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna…”

O artigo 5º da CF no inciso II diz com clareza: “ninguém será obrigado a fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”.

Ao criar normas baseadas num “ajuste” que nada mais é que decisão tomada por servidores fazendários, o fisco cria um nada jurídico, uma norma de nenhum valor, absolutamente contrária à CF. Esta, no artigo 37, ordena:

“Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência…”

Esse primeiro princípio, o da legalidade, é justamente o cumprimento do artigo 5º II, ou seja: legalidade é só criar obrigação com base em LEI, o que qualquer aluno de colégio sabe ou deveria saber que é produzida pelo Poder Legislativo.

Todo esse desvio normativo, toda essa falta de respeito ou de conhecimento das normas constitucionais, gera inúmeros problemas e causa graves prejuízos para a sociedade e para o próprio erário.

Quando o contribuinte deixa de fazer uma venda por culpa de uma besteira burocrática qualquer, terá que compensar sua perda de alguma forma. Pode ser a dispensa de um empregado, pode ser aumento no preço das mercadorias ou atraso no pagamento de imposto.

A criação de normas irregulares também dá ensejo a processos judiciais, que causam perdas ao poder público, seja com custas, seja com o trabalho dos procuradores que poderiam, por exemplo, dar andamento aos milhares de processos de execução fiscal que estão prestes a prescrever.

O relacionamento entre fisco e contribuinte precisa ser modificado urgentemente. Não podem se considerar inimigos e suas relações devem ser feitas de forma respeitosa e cortês, levando sempre em conta que ambos dependem da eficiência do outro. Se o contribuinte não obtém resultados em seus negócios, não terá como pagar o tributo que se destina ao bem estar da sociedade e ao salário do servidor. Mas se este criar dificuldades desnecessárias que podem até inviabilizar a empresa do contribuinte, não haverá proveito para ninguém.

Tanto o contribuinte quanto o servidor devem seguir as normas éticas de suas atividades. Para o serviço público federal existe o Decreto 1.171 de 22/6/94 que trata do Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, onde, dentre outros pontos interessantes, vemos que:

“VIII — Toda pessoa tem direito à verdade. O servidor não pode omiti-la ou falseá-la, ainda que contrária aos interesses da própria pessoa interessada ou da Administração Pública. Nenhum Estado pode crescer ou estabilizar-se sobre o poder corruptivo do hábito do erro, da opressão ou da mentira, que sempre aniquilam até mesmo a dignidade humana quanto mais a de uma Nação.”

Já ocorreram várias situações em que o contribuinte não recebeu tratamento respeitoso. Fiscal municipal compareceu a uma empresa lá deixando intimação para que livros e documentos fiscais fossem levados à repartição em determinado dia e horário.

Ora, o contribuinte deve ser fiscalizado no estabelecimento e não pode ser considerado como empregado ou auxiliar do fiscal para levar documentos. Pode e deve recusar-se a essa tarefa. O fiscal que relacione os documentos e os leve, deixando recibo.

Já um fiscal estadual, tempos atrás, entregou uma espécie de formulário, mandando que o contribuinte o preenchesse com os dados de seu passivo em vários exercícios. O formulário era uma planilha destinada a amparar levantamento fiscal. O contribuinte só é obrigado a prestar informações previstas em lei. A planilha não era. O fiscal pode arrecadar os documentos e com eles fazer planilhas, mapas, demonstrativos ou seja lá o que entender bom para ser trabalho.

Já vem se tornando comum ainda que o contribuinte seja intimado para comparecer à repartição a fim de prestar “depoimento”. Quando comparece, ele é interrogado (às vezes por várias pessoas) sobre seus negócios e suas declarações são reduzidas a termo. Ora, fiscal é fiscal, polícia é polícia. Esse pessoal anda vendo muito filme americano. Nenhum contribuinte deve sujeitar-se a ser interrogado por fiscais.

No Estado de São Paulo vigora a Lei Complementar 939/2003, que garante no seu artigo 4º aos contribuintes um adequado e eficaz atendimento pelos órgãos e unidades da Secretaria da Fazenda e ainda igualdade de tratamento, com respeito e urbanidade, em qualquer repartição pública do Estado.

Já o artigo 8º da mesma lei ordena que “a Administração Tributária atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e motivação dos atos administrativos.”

Outrossim, os procuradores da fazenda (federal, estadual e municipal) também não são exemplos de bom comportamento. Na procuradoria da fazenda nacional advogados são mal recebidos e quase sempre após demorado agendamento. Há uma procuradora que simplesmente não recebia advogados e, em certa ocasião, decisão judicial só foi cumprida após intervenção da Comissão de Prerrogativas da OAB e sob ameaças de desobediência. Uma outra, do estado, chegou a questionar o fato do advogado sentar-se para tratar de assunto de interesse do cliente. O advogado invocou o artigo 7º da Lei 8.906, que lhe dá o direito de sentar-se sem a licença de ninguém. Nos municípios não é diferente.

Mas todos esses procuradores lembram-se de que são advogados quando aspiram indicação ao quinto constitucional. E os conselheiros da OAB, por excesso de generosidade ou falta de memória, acabam acolhendo esses maus colegas, cuja maldade primeira é se imaginarem melhores que os outros. Penso que nós, advogados autônomos, devemos enviar mensagem a todos os conselheiros, sempre lembrando-lhes tais fatos quando houver algum procurador inscrito ao quinto. Quem maltrata advogados não merece nosso apoio. Simples assim.

Os contribuintes não podem aceitar exigências absurdas e ilegais. Não podem aceitar também as grosserias, a ausência de boas maneiras. Afinal, é toda a sociedade que paga o salário dessas pessoas.

Em cada repartição pública e mesmo no fórum, deveria ter placas com os dizeres: “Sintam-se à vontade. Tudo aqui pertence ao povo, a quem todos servimos”. E deveriam ir para o lixo aqueles avisos ridículos, da época da ditadura onde se menciona que “Constitui desacato…etc.”. No lugar deste deveria ser mencionado o seguinte: “Constitui crime de abuso de autoridade qualquer atentado aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional, nos termos da Lei 4.898/65 .”

Os contribuintes, isto é todos os cidadãos (quem consumir qualquer coisa já é contribuinte) devem, através dos seus advogados, reagir a qualquer ilegalidade. Para que tal procedimento tenha sucesso, o respeito deve estar presente sempre. Não podemos participar de atos ilícitos. Corrupção é crime tanto ativa quanto passivamente. Se participarmos de algum ato dessa natureza, passamos a ser cúmplices de um ou mais criminosos. De igual forma o tráfico de influência também é crime, tipificado como prevaricação.

Temos, como cidadãos, o dever de respeitar os servidores públicos, exigindo igual forma de tratamento. O nosso comportamento rigorosamente ético pode ser capaz de afastar qualquer oportunidade para que o ato delituoso esteja presente nesse relacionamento. É disso que precisamos. Não parece ser difícil.

Revista ConJur.

Artigo: “Comércio Exterior tem início de ano agitado”

Comércio Exterior tem início de ano agitado

Por Adriana Dantas

O ano de 2012 começou agitado, com a criação de novas regras e procedimentos que afetam o acesso de importações ao mercado brasileiro. No final de janeiro, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) publicou nova resolução que institui o Grupo Técnico sobre Alterações Temporárias da Tarifa Externa Comum do Mercosul (GTAT- TEC). Tal grupo tem como missão analisar pleitos voltados à proteção de setores da indústria doméstica, por meio da elevação temporária do imposto de importação (II) de 100 produtos, com prazo para apresentação de pedidos vigente até o dia 02 de abril próximo.

Em um contexto de maior atratividade do mercado nacional a produtos importados, a possibilidade de proteção, em casos em que desequilíbrios comerciais fiquem caracterizados, é bem recebida por setores da indústria mais afetados pela pressão de importações, sobretudo de produtos provenientes da China e do sudeste asiático.

Segmentos da economia dependentes de importações, por outro lado, ficam preocupados ante a perspectiva de terem seu negócio afetado pelo aumento de impostos de importação, com impactos econômicos muitas vezes significativos, fruto de um procedimento confidencial, não sujeito ao contraditório.

A reunião da Camex de fevereiro resultou na criação do Grupo Técnico de Avaliação de Interesse Público (GTIP), grupo que tende a alterar a dinâmica dos processos de defesa comercial.

O GTIP exercerá função distinta à do GTAT-TEC, função essa circunscrita à análise dos impactos da aplicação de direitos antidumping e compensatórios (anti-subsídios) sobre setores da indústria afetados por eventual aplicação de tais direitos.

Investigações antidumping e anti-subsídios são conduzidas pelo Departamento de Defesa Comercial (Decom) da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) que elabora parecer determinando a aplicação ou não de direitos antidumping e compensatórios, após análise de dados apresentados no decorrer de um intenso processo investigatório.

O parecer do Decom é estritamente técnico e não considera os impactos econômicos mais amplos que a futura restrição às importações acarretará sobre o setor envolvido. Por exemplo, falta de capacidade produtiva, eventuais aumentos sobre os preços de insumos e aspectos concorrenciais não são considerados na análise. Avaliação mais ampla acerca dos referidos impactos econômicos ficava sob a responsabilidade de outro grupo, o Grupo Técnico de Defesa Comercial (GTDC), que, na prática, apenas ratificava o parecer do Decom nos casos de recomendação pela aplicação de direitos antidumping e compensatórios.

Já o recém-criado GTIP, grupo integrado por representantes dos sete ministérios que compõem a Camex, institucionaliza o procedimento de análise da suspensão ou alteração de medidas antidumping e compensatórias provisórias e definitivas por razões de interesse público.

A institucionalização da cláusula do “interesse público” nos processos de defesa comercial aproxima o sistema brasileiro do europeu. Este inclui a cláusula do “interesse comunitário”, que pode impedir a imposição de medidas antidumping e compensatórias mesmo ante a determinação positiva da prática desleal de comércio, do dano à indústria considerada e do nexo causal entre os dois elementos.

No caso europeu, a análise do interesse comunitário integra todas as decisões e, junto com a determinação positiva de dumping, dano e nexo causal, é um requisito para a aplicação do direito antidumping. Na prática, são poucos os casos onde a Comissão Européia concluiu não ser do interesse da União Européia a aplicação de medidas de defesa comercial. Exemplos de casos onde a cláusula foi aplicada são investigações anti-dumping envolvendo importações de salmão do Chile e álbuns fotográficos.

Ainda, no caso europeu, o pouco recurso à cláusula do interesse comunitário deve-se, sobretudo, à falta de organização dos setores afetados pelas medidas, ou seja, dos importadores e usuários do produto em questão. No caso brasileiro, a organização desses setores e sua conduta pró-ativa também será fundamental.

Com a publicação da Resolução 13 da Camex, de 1o de março de 2012, pedidos de suspensão ou alteração de medidas antidumping e compensatórias deverão ser apresentados à Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda, que coordenará a apreciação dos elementos de fato e de direito que amparam o pedido.

Trata-se de inovação importante que permitirá a maior participação do Ministério da Fazenda nesse processo por meio da Seae, que, até então, exercia participação tímida em processos de defesa comercial.

Um ponto de destaque é a possibilidade de qualquer membro do GTIP, ou outro órgão da Administração Pública Federal, solicitar, “a qualquer tempo”, informações necessárias à análise. Essa previsão legal tem potencial para gerar confusão tanto para as partes envolvidas, como para a administração pública.

Em todo caso, a criação do GTIP e a institucionalização da cláusula do interesse público são sinais positivos para importadores e setores da indústria dependentes das importações, os quais serão mais ouvidos sob o novo mecanismo. A SEAE deverá também trazer elementos da sua experiência em questões concorrenciais para a defesa comercial.

Em resumo, enquanto a criação do GTAT-TEC gerou preocupações para os setores dependentes do fluxo continuo de importações, o recém-criado GTIP sinaliza que suas preocupações serão mais ouvidas muito embora em contexto distinto, o dos processos antidumping e compensatórios.